Poucos diretores, hoje, me fazem aguardar com ansiedade cada novo filme. Posso citar David Fincher, um diretor genial cujo brilhantismo da forma como trabalha com o audiovisual o público pode não perceber, mas que de forma geral todos acabam reconhecendo. Scorsese, o maior gênio vivo do cinema. Paul Thomas Anderson, um cineasta viciado em certas soluções visuais, mas ainda assim muito acima da média. E, claro, há Clint Eastwood, que eu carinhosamente chamo de “o velho”. E o velho há muito tempo é um dos grandes diretores do cinema norte-americano. Exibe certa inconstância, alternando obras-primas como “As Pontes de Madison”, “Gran Torino” e “Sobre Meninos e Lobos” com filmes “normais”. Mesmo os normais, no entanto, costumam ser superiores a maior parte da filmografia inteira de outros diretores. O grande mérito do velho é sua sutileza. Seus filmes são produções em que todos os esforços se movem na construção de uma mensagem que nunca é aquela mais básica, a que todos esperam ou a que todos vêem.
O que nos leva a “Sniper Americano”. Se fosse colocar o filme nessa divisão simples de sua obra, estaria perdido no meio. Não é uma das suas obras mais marcantes, mas está longe de ser comum. E é impressionante como tanta gente criticou o filme por vender a figura do herói americano que matou centenas de pessoas e exibe esse dado com orgulho. Abrem a voz para dizer o quanto Clint está sendo Clint – o cowboy ou policial machão que o eternizaram como ator. Mas parece não terem visto o filme. Vejo “Sniper Americano” como um tapa na cara da hipocrisia norte-americana em louvar seus cowboys modernos como heróis sem verem o mal que esses personagens fazem a si próprios. O protagonista do filme é tratado como lenda, mas sofre de constantes conflitos acerca do que faz para viver e com sua família. Não é propriamente um retrato otimista feito de quem se notabilizou por apertar o gatilho. É justamente quando expõe essa face mais humana e as consequências do trabalho que Clint se iguala a seus grandes momentos no cinema. Há uma cena em que o protagonista mata um soldado inimigo de muito longe e a câmera segue a trajetória da bala mas, no momento em que o inimigo é realmente atingido, opta por não mostrar isso de perto. Vemos de longe, como costuma ver o soldado, indiferente a quem mata. Por outro lado, nos aproxima nos momentos em que o dedo coça no gatilho com mais dor: quando temos crianças na alça de mira. E aí temos um dos melhores momentos do filme, intensificado pelo som surdo e incômodo da trilha sonora. O trabalho de som, aliás, é fabuloso no filme, seja para nos inserir na ação ou para nos manter nela mesmo longe: quando nosso protagonista está em casa em frente à TV e parece estar assistindo a um filme de guerra, mas descobrimos que a TV está desligada e todos os sons estão na sua cabeça.
Os problemas de “Sniper Americano” – seu ritmo inconstante e a sensação de que não se chega a lugar algum – são suplantados pelos méritos que carrega nesses pequenos momentos. Uma pena que na web o que mais se tenha mencionado é o bebê de brinquedo que ninguém consegue deixar de notar em uma sequência de diálogo. O filme do velho é muito mais do que isso.