OPINIÃO

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Haverá um tempo (não muito distante de agora) que ao homem será permitido escolher seu próprio destino numa espécie de cardápio elaborado a base de genes. Poderemos decidir, no sentido biológico, optando, no guia das emoções que herdaremos, o quão humanos queremos ser (ou não). Aí começam os grandes dilemas da humanidade, cujo primeiro deles é não termos um lugar definido para onde iremos após a morte. Somos prisioneiros de nós mesmos, vistos, pela teologia, como uma espécie de anjos negros em corpos animais, esperando pela redenção. Nosso segundo dilema envolve as escolhas que temos de fazer, fundamentadas ou não, em premissas éticas que são inerentes à nossa natureza biológica. Por fim, o grande dilema da atualidade, que decorre do uso que faremos dos avanços em biologia molecular, que, em tese, permitirão ao homem, volitivamente, mudar a sua própria natureza. Entender como chegamos até esse ponto e as dificuldades acadêmicas para tal são objetivos dessa nota, baseada, quase que exclusivamente, nas opiniões de Edward O. Wilson, expressas no livro On human nature, edição de 2004.

Não se trata de reviver a velha discussão do determinismo genético, mas sim da busca do entendimento científico da natureza humana. Mesmo havendo quem divirja, entende-se que o comportamento humano é determinado por genes ou, pelo menos, fortemente influenciado por eles. Academicamente, apesar de todo o criticismo recebido e do patrulhamento do politicamente correto que foi vítima nos anos 1970, a sociobiologia, definida como a disciplina científica que se ocupa do estudo sistemático das bases biológicas de todas as formas de comportamento social dos organismos vivos, incluindo os seres humanos, ou suas variantes modernas, como a psicologia evolucionaria, podem ser de grande utilidade para colocar um ponto final nos nossos dilemas relacionados com a compreensão do comportamento humano, especialmente na vida em sociedade, quando interagem evolução genética e evolução cultural. O grande embate que põe de um lado a visão cultural, da aprendizagem acumulada em resposta a contingências ambientais e históricas, e, do outro, a visão naturalista, que entende cérebro e mente como algo único e inteiramente biológico, que foi moldado pela evolução via seleção natural.

Para Edward O. Wilson, o caminho é estudar o humano como parte das ciências naturais, porém integrando com as ciências sociais e com as humanidades. Em resumo, juntar a biologia com vários ramos das ciências sociais (psicologia, antropologia, sociologia e economia, por exemplo). É natural que esse tipo de proposta resulte, não raro, em entusiasmo exacerbado, aversões, mal-entendidos, conflitos disciplinares e, até mesmo, brigas entre pares na comunidade científica, quando indivíduos buscam, a todo custo, defender domínios de territórios historicamente conquistados. A biologia é, hoje, uma espécie de “antidisciplina” para as ciências sociais. A palavra “antidisciplina”, no contexto em que foi referida, significa, em especial, a relação de adversários, que frequentemente existe, quando campos de estudo que atuam em níveis de organização adjacentes começam a interagir. E, geralmente, as corporações não vêm com bons olhos a atuação da antidisciplina nos seus domínios territoriais presumidos.

A biologia evolui, do século 19 até o presente, da citologia para a biologia celular, e, ao entrar na era do DNA, para a biologia molecular, que forçou a mudança da genética clássica para a genética molecular. O novo desafio é continuar a evolução desse ciclo, contemplado biologia e ciências sociais, mas conscientes que a vida ainda é mais que uma mera ação de átomos e de moléculas. Que a espécie humana detém conhecimento para mudar a sua própria natureza não há dúvida. A grande questão é: quais serão as nossas escolhas?

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