Maioridade penal: Especialista vê retrocesso

A decisão da CCJ da Câmara dos Deputados, em aceitar o andamento da PEC que pretende reduzir a maioridade penal, foi debatida na UPF

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Professora Josiane é contra a decisão da CCJProfessora Josiane é contra a decisão da CCJ
Professora Josiane é contra a decisão da CCJ
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A admissibilidade da Proposta de Emenda à Constituição (PEC 171/1993),pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos, foi debatida na Faculdade de Direito da Universidade de Passo Fundo (FD/UPF) pela coordenadora do curso de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Dra. Josiane Rose Petry Veronese. No encontro, realizado nesta terça-feira (31/03) com os acadêmicos do curso, a professora também destacou os 25 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente. Confira a entrevista realizada com a professora sobre a decisão.

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou, no dia 31 de março, a admissibilidade da proposta de emenda à Constituição (PEC) que reduz a maioridade penal no Brasil de 18 para 16 anos. Esse é o primeiro passo para a proposta tramitar. Caso ela seja aprovada, o que essa questão da redução da maioridade implica na sociedade?
Josiane Rose Petry Veronese: Na minha opinião, isso significa um grande retrocesso para o estado democrático do direito. A decisão de aprovar a admissibilidade ficou, de certa forma, bastante coerente com o discurso do Golpe Militar, ocorrido no dia 31 de março de 1964. A decisão de aprovar a PEC nada mais é do que rasgar a Constituição Federal, afinal, o tema da inimputabilidade penal é visto pelos grandes juristas brasileiros como uma cláusula pétrea.

A possível redução da maioridade penal ajudaria a diminuir os índices de violência e de impunidade no Brasil?
JV: De modo algum. Essa é uma ilusão que se cria. Nos últimos anos, nós vivemos uma situação de violência estrutural da sociedade, e não é a edição de uma lei, que pretende colocar nos cárceres jovens de 16 anos, que irá contribuir na redução da violência no país, pelo contrário, os crimes poderão se tornar ainda mais pesados, assim como aconteceu com os crimes hediondos. 

Se o projeto for sancionado, como ficará a situação das penitenciárias brasileiras?
JV: Vendo pelo lado do discurso social, os cárceres no Brasil, nas atuais condições que se encontram, teriam condições de abrigar toda essa população? Não seria um possível retorno da barbárie e dos tormentos que existiam na Idade Média? É isso que o Brasil quer e deseja quanto processo de humanidade de suas crianças? Acredito que estariam desviando o foco da situação. Se existe um problema de violência, é preciso trabalhar com termos macros, com políticas públicas que constatem o que está acontecendo na sociedade brasileira. Jogar todas essas pessoas nos cárceres é livrar o juiz da Vara da Infância e da Juventude de todo o trabalho que está tendo. Se no meio adulto o discurso de ressocialização já é complicado, imagina esse projeto com relação ao adolescente.

Alguns parlamentares se posicionaram contra a decisão de reduzir a maioridade penal. Os mesmos alegaram que uma das alternativas para resolver o problema seria a discussão de políticas sociais para a infância e a adolescência. Essa é uma boa opção de resolver a questão?
JV: Essa alternativa é a base. Não adianta querer transformar problemas sociais com a edição de leis mais pesadas, que falariam do estado máximo, deixando as questões sociais da criança e do adolescente abandonadas. Na minha opinião, os 21 parlamentares que mantiveram uma posição contrária a primeira decisão da PEC foram lúcidos, pois chega a ser decepcionante que, da Comissão de Constituição e Justiça, tenha tido 43 votos a favor. Por outro lado, numa situação política, é como se quisessem tirar o foco do atual problema: a corrupção. Como essa discussão está muito forte, trouxeram o debate da redução da maioridade penal para tirar o foco da questão central do Brasil atualmente.

No Brasil, jovens com 16 anos tem direito ao voto. Pessoas com a mesma idade e que cometem infrações não teriam maturidade para assumir os atos praticados?
JV: O direito da criança trouxe vários avanços, dentre eles, a ideia do protagonismo que é construído ao longo da vida. A garantia do voto aos 16 anos é uma das construções de garantias desse protagonismo. O fato de um adolescente vir a cometer um ato infracional não o tira da responsabilidade de receber processos. O Brasil responsabiliza sim, a partir dos 12 anos de idade, qualquer jovem que venha a praticar um ato infracional. Todas as medidas socioeducativas são respostas estatais, do Estado, aos atos praticados.

A violência no Brasil é uma questão relativa à educação?
JV: Sim, mas é uma questão inserida no campo das políticas sociais ausentes do estado. O país tem uma das mais perversas distribuições de renda que existe. Existe uma distância entre os donos do poder e a base da sociedade. A ausência geral de políticas públicas pode ser vista como um dos fenômenos da violência, mas não só. Ao lado disso, temos uma população hedonista, que perde seus valores e é descomprometida com a questão social. São vários elementos além da própria questão social em si, e há outros fenômenos que se agregam a ela. A educação é importantíssima, mas não pode-se dizer que um indivíduo, no caso adolescente, só por ser educado não vá cometer um ato, pois se fosse verdade, não haveria criminalidade na classe alta. A violência atinge todas as classes, mas em algumas delas ela é mais visível.

 

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