Mesmo entre os iniciados nas ciências biológicas, poucos são os que prestam a devida atenção (ou homenagem) àquela letra “L” que costuma, sem maiores cerimônias, ser colocada depois dos nomes científicos de plantas e de animais, inclusive da nossa própria espécie: Homo sapiens L. Trata-se de uma referência ao médico e botânico sueco Carl Linnaeus (1707-1778), que assinava seus trabalhos em latim (o idioma culto da época) como Carolus Linnaeus e, após 1761, quando ganhou um título de nobreza, Carl von Liné, ou, simplesmente Lineu, como aprendemos em português, que, dotado de um senso prático ao extremo, estabeleceu os princípios básicos de classificação dos seres vivos.
Lineu é considerado o “Pai da Taxonomia”. O sistema de classificação preconizado por ele é usado ainda hoje (com muitas mudanças, evidentemente). Suas idéias influenciaram várias gerações de biólogos. Era filho de um pastor luterano, mas não seguiu carreira religiosa. Resolveu estudar medicina na Universidade de Lund em 1727, transferindo-se depois para Upsala. Ele gostava mesmo era de coletar e classificar plantas. Ao longo de sua vida, publicou 70 livros e 300 artigos científicos (uma produção invejável). O começo de tudo foi a obra Systema Naturae, de 1735, que, em onze páginas, propunha um sistema de classificação para os seres vivos, e acabaria tendo várias reedições, com vistas a contemplar a inclusão de novas espécies (a espécie humana apareceria na 9ª edição, como Homo diurnis). O Systema Naturae transformou-se de um simples panfleto em uma obra de muitos volumes. Isso aconteceu à medida que estudantes, sob orientação de Lineu e financiamento do governo sueco, eram enviados para várias partes do mundo, com a finalidade de descrever novas espécies e coletar exemplares.
O sucesso do método proposto por Lineu reside na praticidade (permite identificar uma espécie em meio a tantas). O uso do binômio gênero e espécie, em uma época de domínios monárquicos hierarquizados, foi facilmente aceito nos meios acadêmicos. Isso traria fama e respeito a Lineu, que passou a comandar o Jardim Botânico de Upsala, organizando coleções de plantas que ainda servem de base para jardins botânicos de todo o mundo. Todavia, houve quem contestasse o trabalho. O método, baseado nas estruturas reprodutivas, não foi aceito pela Igreja. O botânico alemão Johann Siegesbeck, que até então podia ser considerado amigo de Lineu, foi o maior oponente, engrossando o coro dos que rotulavam o sistema proposto de repugnante e imoral (por conotações de sexualidade). Lineu não perdoaria Siegesbeck. Para se vingar, deu o nome de Siegesbeckia para uma insignificante e inútil planta daninha nativa da Europa (gênio!). Também nas suas publicações, na relação dos botânicos europeus de destaque, Lineu colocava o seu nome em primeiro lugar (o príncipe dos botânicos) e o de Siegesbeck na última posição.
Os últimos anos de vida de Carl Lineu foram marcados por um pessimismo exacerbado e períodos de depressão. Tinha uma visão de religiosidade centrada no castigo divino (culpa e punição). Morreu em 1778 e foi sucedido na cátedra em Upsala pelo filho que também se chamava Carl Lineu. Porém, este não alcançaria a notoriedade do pai e morreria cinco anos depois. Quando isso aconteceu, a mãe e a irmã venderam o acervo particular de Lineu (incluindo manuscritos) para Sir James Edward Smith, cientista e colecionador inglês, que viria a fundar, em 1788, a Linnean Society em Londres (uma das mais prestigiosas sociedades científicas do Reino Unido) para tomar conta do legado de Carl von Liné.
Lineu não era um homem que primava pela humildade. Ao contrário, tinha uma noção muito clara de competência, demonstrando certa arrogância, quando, ciente do valor do seu método de classificação dos seres vivos, costumava dizer: “Deus fez, Lineu organizou”.