OPINIÃO

Criminalizar ou não criminalizar, eis a solução

Por
· 2 min de leitura
Você prefere ouvir essa matéria?
A- A+

Andrew Wakefield e o infame artigo publicado na prestimosa revista The Lancet, em 1998, que relacionou a vacina tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola) com casos de autismo, espalhando pânico e muitas dúvidas, mesmo entre os profissionais da área de saúde, no começo dos anos 2000, até, pelo menos, a retratação do trabalho, em 2010, por conflitos de interesse e falta de ética na lide com os pacientes, tem sido a base da argumentação usada pelos que defendem penas mais severas que a simples retratação da publicação para as chamadas condutas inadequadas na ciência. A grade dúvida que persiste é se penas mais duras para esse tipo de caso, como a criminalização expressa da conduta, teria detido os protagonistas dessa publicação (Andrew Wakefield e mais 12 colaboradores)? Provavelmente, não. O esforço despendido para desacreditar uma vacina e, paralelamente, promover alternativas medicamentosas lucrativas, sugere que alguém com esse tipo de mente não têm qualquer preocupação em enfrentar possíveis processos judiciais decorrentes.

Outro caso bem conhecido de conduta científica inadequada, embora visto como não tão nocivo quanto o protagonizado por Andrew Wakefield e colaboradores, pelo menor potencial de causar danos, envolveu Yoshita Fujii, que, durante 19 anos, pela fabricação de dados, fraudou 172 publicações sobre náuseas e vômitos no processo pós-operatório. A motivação, nesse caso, parece ter sido apenas a preocupação com o publish or perish (publicar ou perecer) que, nas últimas décadas, tem atormentado a comunidade científica no mundo todo. Os coautores de Yoshita Fujii foram incapazes de identificar a fraude; inclusive, alguns ignoravam até que eram coautores desses trabalhos.

Há quem discuta o papel e também ponha dúvida sobre a conduta dos chamados “palestrantes celebridades”, que, não raro, patrocinados por grupos com claros e legítimos interesses econômicos, são presenças quase que obrigatórias em congressos científicos e em eventos técnicos, e que, valendo-se mais de retórica que propriamente de dados científicos, trabalham a persuasão de ideias em detrimento da discussão crítica de resultados oriundos de pesquisas originais. O que, dessa forma, tem servido para empobrecer o debate e diminuir a relevância outrora dada à participação em congressos científicos, bem como relativizado a importância dos encontros técnicos.

Indiscutivelmente, a criminalização da conduta científica tipificada como inadequada, ainda que defendida por alguns cientistas, não parece ser a melhor alternativa. Influi negativamente sobre a confiança que deve ser a regra na prática científica. Uma melhor governança e não investigação criminal se impõe com mais urgência e relevância na ciência. Para fazer frente ao crescimento no número de artigos retratados pelas grandes revistais científicas internacionais (The Lancet, Science, Nature, PNAS, etc.), que muitos atribuem esse diagnóstico graças aos avanços em TICs, em tempos de publicações eletrônicas, e à pressão acadêmica por publicar ou perecer (o popular publish or perish), além dos evidentes interesses econômicos nem sempre revelados, tem conquistado cada vez mais adeptos a filosofia dos dados abertos (open data) na ciência.

Ainda é incipiente a cultura do compartilhamento e reutilização de dados gerados por terceiros, que são abertamente disponibilizados (open data) como suporte aos artigos científicos publicados ou na forma de bases de dado originais com os devidos créditos autorais. Todavia, essa parece ser uma boa prática para reduzir muitas das chamadas fraudes diagnosticadas em publicações científicas; além de permitir reanálises de evidências, reprodução e verificação de resultados e economia em gastos desnecessários, especialmente quando envolvendo a ciência custeada pela esfera pública, que, de alguma forma, já foi paga pela sociedade.

 

Gostou? Compartilhe