As ideias de Humberto Maturana sobre biologia transitam na zona de fronteira entre ciência e filosofia. Este neurobiologista chileno, famoso pela criação, em parceria com Francisco Varela, da teoria da autopoiese, tem sido reconhecido como um dos expoentes do pensamento sistêmico moderno.
Três particularidades do dia a dia dos seres vivos, mas com profundas implicações sistêmicas, ajudaram a forjar o pensamento singular de Humberto Maturana. São elas: (1) a natureza relacional das questões; (2) o reconhecimento de que cometemos erros; e (3) a crença na repetição dos fenômenos naturais. Não há como deixar de admitir que, em toda questão, há uma relação entre aquele que pergunta e aquele que responde. Também não podemos ignorar que não somos infalíveis, portanto somos passíveis de cometer erros. E, por mais que insistamos em negar, demonstramos, com nossas atitudes, uma forte crença na regularidade dos processos naturais.
Quando atentamos para a natureza relacional entre pergunta e resposta, não podemos deixar de perceber que quem aceita uma resposta para uma questão que tenha formulado é quem, de fato, determina que a mesma seja considerada válida. Não importa a natureza do questionamento, quem aceita a resposta define a “verdade”, o valor ou a adequação daquilo que foi aceito como tal. Isso não significa que exista algo (mesmo aceito) que seja intrinsecamente, verdadeiro, aceitável e legitimo por si próprio. O que no leva à indagação do que entendemos por conhecimento e de qual o sentido da busca daquilo que chamamos de verdade? Quando um cientista formula uma hipótese e a submete a um teste experimental, há que se ter consciência que é o cientista que determina a validade da resposta obtida, uma vez que é dele a definição dos critérios de aceitação ou rejeição dos resultados.
O homem não é infalível. Inegavelmente, cometemos erros. Não raro, costumamos dizer que “aprendemos com os nossos erros”. E se é assim, uma vez que temos essa benevolência com os nossos erros, porque não temos a mesma consideração para com os erros dos outros? Em geral, buscamos punir quem comete erros, seja quem for; menos nós. Isso revela uma das piores falhas do nosso comportamento. Uma falta de visão da realidade. Por erro, nesta situação, entendemos aquilo que é feito, de forma honesta (não vale a mentira), em uma dada situação, e sendo considerado válido na ocasião, porém, futuramente, acaba sendo avaliado como erro, frente a outras ações possíveis. Diante disso, se pode perceber que erros não são falhas, não revelam nossa falta de visão de realidade. Erros, nessa concepção, não acontecem no momento que atribuímos a sua ocorrência. Erros, mais uma vez não confundir com mentira dissimulada de verdade, são determinados futuramente, quando se confrontam as ações em pauta com as alternativas que se apresentavam. Caso soubéssemos de antemão que aquilo que fizemos não era válido, não cometemos erro, e sim incorremos em mentira, em desonestidade. Em termos científicos, essa é mais uma dificuldade para atribuirmos significado à “verdade”. Como podemos reivindicar que sabemos a verdade? Como podemos dizer que sabemos como as coisas são? Eis a dificuldade em aceitarmos que, efetivamente, nós não sabemos se algo que foi feito em um dado momento, após reflexão e outros avanços do conhecimento, não poderá vir a ser rotulado de erro.
Inegavelmente, o mundo natural nos parece repetitivo. O que acontece uma vez tornará a acontecer. Essa percepção de mundo faz parte do nosso dia a dia. E, diferentemente do que parece, no caso dos seres vivos, essa repetição é uma decorrência interna. Os agentes externos não definem o que nos acontece, embora possam dar o estímulo inicial. Nada externo a nós pode dizer qualquer coisa sobre nós mesmos. E, segundo H. Maturana, essa é uma visão que muda completamente a nossa compreensão dos processos biológicos.