‘Voltar às suas raízes, distribuir riquezas e concentrar esforços para cuidar dos pobres’. Desde o primeiro dia em que assumiu como líder maior dos católicos, o papa Francisco tem insistido através de palavras e gestos, a necessidade de um redirecionamento dos rumos e uma maneira diferente de conduzir a igreja. Para levar adiante esta missão, conta com a pessoa que o inspirou na escolha do nome Francisco, o cardeal brasileiro dom Claudio Hummes. Foi justamente ao ‘grande amigo’ como costuma chamá-lo, que o papa recorreu para apurar uma série de denúncias que colocam a gestão do arcebispo da Arquidiocese de Passo Fundo, Dom Altieri, na contramão destas mudanças.
Na chamada visita canônica, realizada semana passada, em Passo Fundo, o cardeal ouviu individualmente o depoimento de 72 padres. A segunda etapa da ouvidoria está marcada para este domingo (10/05) e inclui religiosas e leigos. Hummes deve elaborar um relatório e apresentar um parecer ao papa no Vaticano. É ele quem decidirá quanto ao futuro de Altieri. A expectativa é de que a decisão seja conhecida dentro de um período aproximado de 90 dias.
Transferido da cidade paulista de Caraguatatuba, o arcebispo assumiu a arquidiocese em Passo Fundo em 16 de setembro de 2012. Um ano depois, iniciaram as primeiras manifestações de descontentamento em relação às suas decisões e atitudes. Religiosos passaram a encaminhar as chamadas comunicações para a nunciatura apostólica (espécie de embaixada do Vaticano), em Brasília. No ano passado, as reclamações se avolumaram ainda mais e, após várias tentativas, uma espécie de dossiê acabou parando nas mãos do papa Francisco em Roma. Pelas vias normais, a cada cinco anos, os bispos viajam até a Itália para apresentar o relatório de sua gestão. Neste caso, a igreja resolveu antecipar em dois anos e inverter o processo. Cada padre foi ouvido individualmente por um período de aproximadamente 40 minutos.
Gastos
Um dos aspectos que gerou duras críticas à gestão de Altieri está ligado aos investimentos considerados por alguns como ‘exagerados e desnecessários’. Nesta relação consta a reforma da casa episcopal (residência do arcebispo), avaliada em aproximadamente R$ 600 mil. Localizada na rua Coronel Chicuta, centro, o prédio foi inaugurado na década de 60 e abrigou três bispos neste período. Também foram feitas reformas no Seminário Nossa Senhora Aparecida, na Casa de Retiros, ainda em andamento, e uma mudança da estrutura do Centro Diocesano Pastoral, para o edifício Nossa Senhora Aparecida, ao lado.
Em menos de três anos, Altieri determinou a compra de seis veículos, incluindo uma Van para transportar seminaristas até o IFIBE e Universidade de Passo Fundo. “Não seria mais significativo para a formação destes jovens se eles andassem de ônibus, enfrentassem as mesmas dificuldades de sol, chuva e frio, que as pessoas mais simples e humildes enfrentam no seu dia a dia? Manter o contato diário com elas, não é mais enriquecedor do que simplesmente embarcar na Van dentro de uma garagem do seminário e desembarcar em outra na faculdade?” questiona uma pessoa ligada à igreja, que pediu para não se identificar.
A sequência de investimentos em um curto espaço de tempo teve reflexos negativos nas comunidades católicas. O arcebispo estipulou uma taxa de 10% de repasse para a cúria de toda a arrecadação feita em cada uma das 53 paróquias da arquidiocese. A decisão desagradou religiosos e leigos.“Não é que não possa ser cobrado, acontece que a diocese existe desde 1951, tem uma estrutura toda pronta, não há necessidade de cobrar tanto assim” diz um religioso. Leigos que auxiliam voluntariamente, tanto na prestação dos serviços como na doação de recursos, também criticaram a decisão. “Realizamos todo um trabalho na busca de recursos, preparando atividades à noite, nos finais de semana, para arrecadarmos recursos, e boa parte dele acaba indo para a Cúria investir em obras nem tão necessárias assim” desabafa uma leiga.
Decisões e comportamento
A insatisfação com a atual gestão vai muito além das questões econômicas. Na avaliação de religiosos e leigos há um descompasso no modelo de igreja desenvolvido em Passo Fundo em relação à visão que Altieri está adotando. “Historicamente, o trabalho da diocese tem uma relação estreita com os movimentos sociais, ele não gosta do jeito dos padres daqui, desta proximidade com os pobres. Começou a mexer na liturgia, focando mais no ritualismo, no rubricismo, em detrimento da vida, do evangelho”, afirma uma pessoa ligada à igreja.
Também há fortes críticas sobre a ausência do arcebispo nos grupos pastorais e movimentos “Ele não acompanha os grupos, quando se faz presente, ao invés de animar, muitas vezes acaba desestimulando por causa da falta de sensibilidade. Tem questões relacionadas ao jeito de decidir as coisas, muitas vezes de maneira unilateral, ouve os padres, mas no final decide por conta” afirma outra fonte. Outra pessoa ligada à igreja atribuiu a este estilo, o clima tenso que se abateu em diversos setores da igreja. “Quem discorda da opinião dele, sofre algum tipo de represália. O clima está carregado. Há um desprezo pelos padres de Passo Fundo. Já demonstrou em diversas oportunidades descontrole emocional em celebrações, agindo de maneira excessiva em alguns comentários sobre economia, dízimo” revela.
O movimento que despertou a atenção do Vaticano por Passo Fundo também teve participação importante dos leigos. Muitos deles encaminharam correspondências questionando a gestão do arcebispo. “O papa fala que o pastor tem que ter cheiro de suas ovelhas, não percebo o mesmo nas decisões e nem nas atitudes dele. Gosta de roupas pomposas, bons restaurantes. Estou na igreja desde a infância, atuando de maneira voluntária. Conheço profundamente a história da Diocese, temos padres de luta aqui, comprometidos com a parte espiritual e inseridos nas comunidades, posso dizer que há um descontentamento quase que geral” diz um deles.
Acolhimentos
A decisão de dom Altieri em acolher seminaristas, e até mesmo um padre, egressos de outras congregações religiosas ou diocese e que já haviam sido desligados da igreja também gerou animosidade na Aquidiocese. “É uma prática possível, mas da forma como aconteceu aqui não é muito comum. Em alguns casos não se observou as orientações da CNBB. Alguns apresentaram problemas e tiveram de sair’ revela.
O que diz Dom Altieri
O arcebispo Dom Altieri afirmou ter recebido a comunicação sobre a visita canônica de Dom Claudio a Passo Fundo, durante a 53º Assembleia Geral da Conferência dos Bispos do Brasil realizada no mês passado em Aparecida, São Paulo. “Dom Claudio veio buscar o material com os padres, ver como está sendo nossa caminhada. Vejo como um gesto de carinho da igreja nos dar atenção e fazer uma avaliação” afirma.
Obras
“A casa episcopal, fundada em 1962, nunca havia passado por manutenção. A única inclusão foi a de uma churrasqueira no jardim. Chega um arcebispo novo querendo acolher a todos, é importante termos um local para participar de um encontro, de uma refeição, realizar alguma reunião, rezar, precisamos de ambientes adequados. Também fizemos obras no seminário, na Casa de Retiros e mudamos o Centro Pastoral. É uma coisa serena, temos conselho econômico, o ecônomo, advogados, contadores e o arquiteto”.
Veículos
“Não vejo estranhamento nenhum no fato de o bispo ter um veículo. Mais tarde compramos a Van para os seminaristas se deslocarem para a aula. Antes perdiam cerca de 1h30min, se dispersavam, tomavam chuva, pegavam dois ônibus. Agora fazem em 20 minutos. Investimos na formação deles”.
Taxa das paróquias
“Não havia um critério definido para esta cobrança, o que gerava certo desequilíbrio. Agora temos algo proporcional, tanto que paróquias mais carentes passaram a pagar menos com a fixação da taxa”.
Acolhimentos
Fizemos alguns acolhimentos, cerca de cinco ou seis. Vieram com acompanhamento, com aval. Conseguimos fazer um caminho bonito (ordenar) três deles.
Sobre o futuro
“Estou na mão de Deus quero o bem da igreja. Se julgarem oportuno minha contribuição, meu dom, e achar que posso continuar fazendo o bem vou cotinuar. Se julgarem que alguém possa fazer melhor; que neste momento é importante uma mudança de rumo, me submeto com muita simplicidade em ir para o lugar que me mandarem”.
Olhares opostos?
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