A cena é comum em feiras de livros e eventos literários variados. Nas chamadas sessões de autógrafos, autores consagrados ou nem tanto, gentilmente distribuem dedicatórias e assinaturas nas suas obras. A reflexão é inevitável: afinal, quem é a figura mais importante nessa relação escritor-leitor? Para a vasta maioria das pessoas parece evidente: o escritor é a figura central e os leitores formam a fila dos súditos.
A questão é discutível. Afinal, na relação escritor-leitor, um não existe sem o outro, pelo menos comercialmente. Talvez, por isso, o mais justo fosse uma troca recíproca de autógrafos. Mas, nesse jogo, entra também a questão da idolatria, e aí o assunto descamba para um terreno do comportamento humano que não possuo argumentos suficientes para opinar. Para o editor e o livreiro, apesar de todas as reverências que dedicam aos escritores, o leitor é essencial na viabilização dos seus negócios. E, para o escritor, também não é muito diferente. Não basta escrever. Poucos escrevem apenas por escrever. Seja lá porque motivações escrevem, a expectativa é que alguém leia.
Eu não tenho dúvidas: o leitor é a figura mais importante. Ler é posterior ao ato de escrever. E, por mais contraditória que possa parecer essa opinião, a leitura pode ser considerada uma atitude muito mais resignada, mais civilizada e mais intelectualizada do que a escrita. Não é por nada a extrema preocupação que o consagrado grupo de professores do cusos de Letras da Universidade de Passo Fundo devota à formação de leitores. Estão ai os seus projetos de sucesso, popularizados pelas Jornadas Literárias e nos veículos de comunicação, que atendem por nomes tipo “Mundo da Leitura”, “Práticas leitoras...” e tantos outros do mesmo gênero. E o reflexo dessas propostas na formação dos novos estudantes das escolas de Passo Fundo é perceptível. De uma forma ou de outra, conscientes ou não, os professores acabam internalizando essas ideias e levando-as para as salas de aula, criando a motivação e o hábito da leitura nas crianças. O quê, sem a menor relutância, acabará por formar alunos com melhor preparo do que seus congêneres no passado.
Quantas opiniões que expressamos e sobre as quais não temos qualquer outro direito que não o de leitor. Somos o reflexo daquilo que lemos, com as devidas moldagens do ambiente. E isto é válido para tudo, particularmente naquilo que escrevemos. Eis mais um forte argumento para a valorização do leitor. É a leitura diversificada que vai possibilitar a formação de indivíduos com opinião própria e capacidade de expressão de ideias. E que não se confunda leitor com comprador de livros, embora essas figuras sejam quase sempre indissociáveis. Falo em leitor no sentido amplo, desde jornais, revistas, livros etc. até bulas de medicamento.
Essa ideia de que o bom leitor é mais importante que o escritor não é minha. Ela é de Jorge Luis Borges. Pode ser encontrada, entre outros tantos textos desse notável escritor argentino, no prefácio da primeira edição da sua “Historia Universal de la Infamia”, de 1935.
P.S.: Nesse momento, em que, tudo indica, sem alternativas, em meio à crise econômica que assola o Brasil, não restou outra opção à Universidade de Passo Fundo, que não o cancelamento da 16ª edição da Jornada Nacional de Literatura, a Academia Passo-Fundense de Letras, respeitosamente, rende a sua solidariedade ao magnifico senhor reitor da UPF, Prof. José Carlos Carles de Souza, e à coordenadora das Jornadas Literárias, Profa. Tania Rösing. Sejamos compreensíveis e sensatos, nessa hora difícil para os envolvidos diretamente com a decisão, pois, assim esperamos, não foi decretada a morte das Jornadas Lliterárias de Passo Fundo, mas apenas um adiamento. Esse monumental projeto de formação de leitores, que personifica como poucos a metáfora Liber Naturae (livro-mundo), não vai acabar!