Apesar do subtítulo “memórias”, Entre a Enxada e o Livro, de Santo Claudino Verzeleti, é uma obra que transcende as similares dessa mesma natureza, ao ir além do mero resgate de datas, de acontecimentos marcantes e de exaltação ao legado deixado pelos antepassados. Não se furta disso, pois, afinal, nessas páginas, o que encontramos é a autobiografia intelectual de um homem que, ao buscar no passado as suas origens e contextualizá-las historicamente, consegue viver de forma intensa o presente e, ainda, construir futuros.
Li detalhadamente o livro em questão, antes de me aventurar na escrita do prólogo da obra. Em razão disso, não me parece exagerado dizer que Santo Claudino Verzeleti conseguiu, com esta reunião de textos que refletem histórias de vidas, sua e de seus antepassados, visões sobre temas diversos e o envolvimento com a profissão que abraçou, os relacionamentos familiares, as suas crenças políticas e o seu ativismo cultural e filantrópico, “ditar” uma espécie de testamento intelectual, que transforma a todos nós, seus leitores, em herdeiros. Efetivamente, em herdeiros de conhecimento, de lições de vida, de exemplo de lutas que valem à pena, de transformação de sonhos em realidade.
Entre a Enxada e o Livro, independentemente de qualquer julgamento de valor literário e acadêmico, é uma obra indispensável para quem quiser de fato conhecer a trajetória dos vênetos e seus descendentes, que, forçados pelas circunstâncias de lutar pela sobrevivência, tiveram de deixar a Itália, no século XIX. Estes imigrantes, “estimulados” por Dom Pedro II, viriam a colonizar a região então inóspita da serra gaúcha, e, depois de muito trabalho e algumas gerações, reconhecidamente, por meio das suas iniciativas, ajudaram a construir o Brasil do presente.
O autor, Santo Claudino Verzeleti, ao optar por uma narrativa pessoal, se desnuda ao leitor. Da tenra infância, como o filho mais velho de uma família pobre de imigrantes italianos da zona colonial de Bento Gonçalves, passando pela mudança, ainda criança, para o interior de Sarandi, até o surgimento do homem maduro de hoje, aos 80 anos, que tem o seu processo de construção desvendado na sequencia dos textos. Não foram poucas as batalhas travadas e vencidas por Santo Claudino Verzeleti, ao longo da sua trajetória pessoal. Começando pelo dilema em deixar enxada, que significava separar-se da família que lhe era tão cara, para ir estudar na cidade. As dificuldades enfrentadas por uma criança obstinada em vencer na vida, que tinha a obrigação de estudar e trabalhar para poder permanecer no internato mantido pelos padres carlistas em Sarandi. A vinda para Passo Fundo. A procura por trabalho. A retomada dos estudos no Ginásio Nossa Senhora Conceição, em cujo educandário se formaria técnico em contabilidade, abraçando essa profissão até a aposentadoria, em 2006. A realização do sonho da mãe, em ter um filho doutor, quando, em 1977, colou grau como bacharel em ciências jurídicas e sociais pela UPF. A fundação do Centro Cultural Italo-Brasileiro Anita Garibaldi (1976). A criação e construção da sede do Sindicato dos Contabilistas de Passo Fundo. O primeiro livro publicado (Quel Mazzolin di Fiori, coletânea de letras de canções italianas). O ingresso na Academia Passo-Fundese de Letras, em 1988. A fundação da Academia de Ciências Contábeis, da qual foi seu primeiro presidente. Os acervos históricos que mantém na Casa de Cultura Santo Claudino Verzeleti e outras tantas iniciativas relevantes, sob o ponto de vista social e comunitário, em que se envolveu, permitem a percepção de que estarmos diante de um cidadão e ser humano singular.
Por último, cabe dizer que, sim, Santo Claudino Verzeleti é humano, com virtudes e defeitos, como qualquer um de nós. Mas, tal qual um poeta, Verzeleti tem o direito que o julguemos pelos seus melhores versos. E o melhor de Santo Claudino Verzeleti, indubitavelmente, pode ser encontrado neste livro.
Ciao, caro Verzeleti!