Minha mãe amava Cauby Peixoto. Dizia que ele cantava e interpretava a música, que ele cantava com o coração. Extrapolava sentimentos, assim como os namorados. Sua performance dava vida à composição. Música cantada por Cauby era sepultada, ninguém cantaria como ele, tal qual acontecia com Elis Regina. Como cantar Romaria, com cantar Como Nossos Pais? De tantos referenciais ninguém me marcou tanto quanto Raul. Em 1972 no Programa do Sílvio exibindo aquele manto, ou algo assim, de profeta, barba e cabelo comprido, Ouro de Tolo em linguagem quase rapper. Depois, tudo o mais, o antológico álbum de rock de 1973 gravando Neil Sedaka, Chuck Berry e doce Bernardine, de Pat Boone de 1957, ano em que nasci.
Raul iniciou sua arte na Bahia, foi produtor musical de muita gente como Sergio Sampaio (Eu Quero é Botar Meu Bloco na Rua), compôs para Diana, para Jerri Adriani. Um dia ao conhecer o mago Paulo Coelho botou umas coisas na cabeça e criaram loucuras. Eu gostava do Raul sem as coisas na cabeça, do Raul puro. Quando morreu pensei que algumas pessoas não deveriam partir, como as que nós amamos, como as qua admiramos. Tem gente que não merecia morrer, tem gente que não merece viver.
Em 2012 visitei o Jardim da Saudade, cemitério onde Raul repousa. Minha mulher compreendeu o momento, onde senti aquele sufoco que sobe pela garganta, que aperta a glote e que faz transbordar os olhos. Queria dizer algo ao maluco beleza, que tinha enchido a minha vida e encantos, que tinha me despertado a idéia de ser metamorfose e procurar discos voadores, de não ter medo da chuva, de apreciar as sessões das dez. Raul me ouviria? Que diria para mim? Talvez se eu cantasse alguns de seus hits, talvez se eu destilasse as músicas que sabia de cor. Raul cansou, no final da vida e cantou Não Quero Mais Andar na Contramão. Era tarde, a cirrose e o diabete já o tinham capturado, embora disfarçasse com colírio ou óculos escuros.
Cauby é antigo, mas não é velho. Velho é o que não serve mais, é o que não tem serventia. Cauby tem a voz aveludada e possante ao mesmo tempo. É um cantor extraordinário, tem a classe dos grandes, tal qual Emílio Santiago, tal Marisa Monte.
Dia dos namorados, dia das músicas que embalaram nossos romances. Homenagem a minha mulher e a todas as minhas ex-namoradas cujas boas lembranças estão guardadas em algum lugar secreto do coração. Cantei Raul para algumas namoradas, quase todas, talvez. Minha mãe cantou e viveu Cauby. Tempos modernos, tempos eternos.