De 1º de junho a 3 de agosto de 1977, Jorge Luis Borges realizou um ciclo de sete conferências no Teatro Coliseo em Buenos Aires. O jornal La Opinión adquiriu os direitos de publicação, trazendo a transcrição das falas em sete suplementos especiais que saíram nas edições diárias entre 20 de julho e 31 de agosto daquele ano. Ainda em 1977, as gravações dessas conferências foram disponibilizadas em discos de vinil e em fitas cassete. Posteriormente, apareceram em formato de livro, pela Fondo de Cultura Económica, do México, em 1980, e pela Emecé, a partir de 1997. Em março de 2006, com direção de Alfredo M. Scalise, a editora Umbriático, de Buenos Aires, sob o título de “Borges literal”, publicou um conjunto de sete CDs (um para cada conferência), um DVD (filme da última conferência) e um livro com a transcrição das falas originais de Borges. Foi esta obra, presente da amiga Márcia B. Moreira Pimentel, que serviu de base para a análise que segue; em particular a conferência “La ceguera”.
Na noite de 3 de agosto de 1977 (21 h), J.L.Borges amparado por Maria Kodama sobe ao palco do Teatro Coliseo. Uma cadeira e uma pequena mesa, sobre ela dois microfones e um copo com água, complementam o cenário. Borges senta, toma um gole de água, faz a sua convencional saudação, “Senhoras, Senhores”, e, nos próximos 45 minutos, discorre, com maestria, sobre o tema que se propusera falar: a cegueira. Começa definindo a sua cegueira como um lento crepúsculo, que iniciou desde que pode ver. Para marcar o momento que se deu conta ter, de fato, perdido a visão (como leitor e escritor) ele cita o ano de 1955, quando foi nomeado diretor da biblioteca nacional. E essa ironia do destino, que lhe deu os livros e ao mesmo tempo a noite, foi sintetizada no “Poema de los dones”: “Nadie rebaje a lágrima o reproche/ esta declaración de la maestría/ de Dios que con magnífica ironía/ me dio a la vez los libros y la noche”. E tendo consciência de que quando alguma coisa termina, também outra começa, ele, que havia perdido o mundo das aparências (visão), tomou a decisão de criar o novo, redescobrindo mundos (particularmente literários) que até então ignorara.
Escritores cegos não faltam na história da literatura. Homero, autor dos dois maiores poemas épicos da Grécia antiga, a Ilíada e a Odisséia, e cuja existência não se pode provar, é o exemplo mais ilustre. Tradicionalmente, nos é mostrada a imagem lendária de Homero como o poeta cego. Inclusive, podemos pensar que Homero não existiu e que os gregos gostavam de imaginá-lo cego para realçar, segundo Oscar Wilde, que a poesia não tem que ser visual, a poesia tem de ser, antes de tudo, auditiva.
John Milton (1608-1674), o poeta lírico inglês que tratou do conflito entre o bem e o mal, acabaria cego em 1652. E foi depois de cego que escreveu poemas clássicos, inovando com versos sem rima. São exemplos, O Paraíso Perdido, relatando o conflito ente Lúcifer e Deus, Paraíso Reconquistado, narrando a vitória de Cristo sobre as tentações, e Sansão Combatente (Samson Agonistes), uma espécie de autorretrato, que destaca o gigante “eyeless in Gaza” (sem olhos em Gaza).
Saindo do universal para o particular, vale lembrar que Passo Fundo, em 1937, teve um cego envolvido com literatura. Refiro-me a Octavio de Oliveira Cruz, que editava, sob o selo da Livraria Nacional, e vendia (para sobreviver, acredito!) a revista “Estrellas - Conjunto de colaborações de intelectuais de Passo Fundo”. Sobre essa revista, cujo exemplar que tenho ganhei de Eduardo Loureiro da Silva, restou-me a dúvida: qual foi o destino de Octavio de Oliveira Cruz? Alguém tem outros números dessa revista? Ficaria grato em saber.
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