As pessoas têm a falsa impressão de que o assédio moral é um fenômeno recente nas relações de trabalho, enquanto que, na verdade, ele é tão antigo quanto o próprio trabalho. Como aponta uma pesquisa realizada pelo site Vagas.com, dos 4.975 trabalhadores de todas as regiões do país ouvidos no fim de maio, 52% disseram ter sido vítimas de assédio sexual ou moral, e, entre quem não passou por esta situação, 34% já presenciaram algum episódio de abuso.
Segundo a professora da Escola de Psicologia da IMED, Me. Vanessa Rissi, assédio moral é um tipo de violência psicológica manifestada por conduta abusiva, intencional e frequente, que ocorre no ambiente de trabalho e tem por objetivo humilhar, constranger ou desqualificar a vítima. “É importante observar que o assédio moral somente pode ser reconhecido como tal quando as manifestações abusivas não forem esporádicas, mas pelo contrário, quando forem habituais. O assédio pode se dar de formas diversas: vertical, quando o chefe é o assediador; horizontal, quando os próprios colegas, de mesmo nível hierárquico assediam outro; ascendente quando o chefe é assediado pelos colegas, ou misto, quando há a presença de mais de uma forma, numa mesma vítima. Temos evidências, por exemplo, de que o assédio moral no Brasil está presente desde a época da colonização. Ocorre que as pessoas estiveram, desde sempre, expostas a situações de humilhação e violência psicológica no trabalho. Contudo, estes eventos vinham sendo encarados com naturalidade, como se aquilo fosse inerente às relações de trabalho quando alguém está subordinado a outro”.
O que pode ser considerado assédio moral?
Vanessa Rissi - Qualquer comportamento, no local de trabalho, que humilhe alguém e ocorra com frequência e com a intenção de prejudicar, pode ser considerado assédio moral. Dentre ações comuns e já mapeadas por pesquisas podemos citar alguns grupos de condutas assediadoras: deterioração proposital das condições de trabalho, retirar autonomia da vítima, dificultar o acesso aos instrumentos básicos de trabalho ou às informações necessárias para a execução de suas tarefas; atribuir tarefas inferiores à sua capacidade; isolamento e recusa de comunicação: recusar qualquer forma de diálogo ou ignorar a presença da vítima; atentar contra a dignidade: utilizar expressões desdenhosas para se referir a vítima, desqualificá-la, atribuir-lhe problemas psicológicos (afirmar que tem alguma doença mental) ou fazer comentários inadequados sobre a vida privada.
A cobrança por metas ou desempenho está associada a casos de assédio moral?
Vanessa Rissi - Sim. Há evidências científicas suficientes que nos permitem afirmar que as empresas que trabalham num contexto de metas produtivas estão mais suscetíveis à ocorrência de casos de assédio moral. O trabalho pautado por metas não representa um problema, por si só. Isto pode vir a ocasionar o assédio moral quando as cobranças pelo alcance dessas metas são inadequadas ou quando se expõe os trabalhadores que não conseguiram o desempenho almejado a situações vexatórias. Nestes casos, inclusive, não é necessário o critério da habitualidade para que se possa identificar um caso de assédio. Estamos, nestas circunstâncias, diante de uma modalidade chamada “assédio organizacional”, ou seja, o objetivo da exposição da vítima não é prejudicá-la, mas sim, gerenciar sua produtividade. É como se você dissesse para os trabalhadores: “se não quiserem mais ser humilhados, cumpram as metas”.
O que causa o assédio moral?
Vanessa Rissi - Existe mais de um modelo explicativo para o assédio moral no trabalho. Contudo, o que tem tido maior destaque é aquele que coloca as novas configurações das relações de trabalho como o fator central. A competitividade e o individualismo que permeiam as relações não permitem a cooperação e os laços entre as pessoas, o que torna a organização um terreno propício para o assédio moral. Neste sentido, para facilitar a compreensão, podemos retomar um velho ditado popular: “quem pode mais, chora menos”.
Quais as consequências do assédio moral?
Vanessa Rissi - O assédio moral tem potencial para causar ou contribuir para o aparecimento de muitos transtornos psicopatológicos, psicossomáticos e comportamentais. Nesta perspectiva, estudos têm indicado as consequências do assédio moral em nível individual, organizacional e social: prejuízos na qualidade de vida do sujeito assediado, desenvolvimento de Transtorno de Estresse Pós Traumático ou Depressivo, problemas nas relações familiares, diminuição da satisfação do sujeito assediado com o trabalho, problemas de relacionamento interpessoal no trabalho, desempenho grupal prejudicado e aumento do comportamento agressivo nos trabalhadores, problemas nas funções cognitivas, como atenção e concentração, aumento de custos médicos e tendência à aposentadoria precoce. Não obstante, casos de suicídio podem estar entre as possíveis decorrências do assédio moral.
Como a vítima e a empresa devem agir em caso de assédio moral?
Vanessa Rissi - Recomenda-se que a vítima de assédio moral não se cale diante da violência que está sofrendo, pois, do contrário, ela prejudica ainda mais sua saúde e, ainda, permite que os assediadores continuem agindo deliberadamente. Ela pode buscar ajuda junto ao departamento de gestão de pessoas da empresa. Se ela perceber que não serão tomadas providencias cabíveis na empresa, ela deve se dirigir ao sindicato de trabalhadores de sua categoria, ou então buscar um advogado. Do ponto de vista dos prejuízos do assédio para a saúde, é importante que o assediado busque ajuda de um psicólogo. As empresas, por sua vez, devem criar mecanismos que coíbam situações humilhantes, aéticas e desumanas nas relações de trabalho. Quando, por outro lado, um caso de assédio moral estiver presente, a empresa deve oferecer auxílio à vítima, ao mesmo tempo em que deverá tomar atitudes assertivas em relação ao agressor, para que não dê sequência às atitudes acediosas. Para que isso ocorra, a empresa deve estar comprometida com um ambiente de trabalho humanizado e que propicie relações saudáveis entre as pessoas.