OPINIÃO

Trauma

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Alguém me mostrou o vídeo da necrópsia do jovem cantor, imagens chocantes como quase todas as mortes violentas seja de que natureza for. Lembrei da minha atividade em cirurgia do trauma, especialização que requer rapidez, sangue frio, disponibilidade e atualização permanente. Não há tempo a perder, a possibilidade de sobrevivência é uma questão de minutos.

Olho por cima do campo cirúrgico que me separa do colega Juarez Missel, visualizo os monitores conectados ao paciente e a segurança desse ato médico: anestesia controlada, paciente monitorizado, cirurgia sem atropelos, acordar suave - bacana.

Houve um tempo, não muito distante, em que a coisa não era assim. Anestesia precária, efeito muito rápido, muito stress. Há pouco mais de duzentos anos uma amputação de coxa demorava menos que um minuto, sem anestesia. O cirurgião tinha que ser mais do que rápido, tinha que ser preciso, sangue frio e o escambau.

Cresci assim na área da cirurgia, aprendendo a ser rápido sem ter pressa. Cresci assim aprendendo com muitos dos cirurgiões que ainda estão em atividade, uns na área de cirurgia do aparelho digestivo e outros que derivaram para outras áreas. Cresci num tempo em que o cirurgião geral era uma espécie de patrão do hospital, tudo passava por ele: desde ferimento por arma-de-fogo até abscesso na bunda.

Por onde passei e andei nesta área ouvi referências elogiosas a muitos antigos mestres como Drs Paulo Fragomeni e Elton Ventura, dentre tantos. Com Dr Paulo colaborei em uma cesariana em 1982 - foram 24 minutos de pele a pele, ou do começo ao fim. Ainda suado e estressado por não conseguir acompanhar seus rápidos movimentos cirúrgicos, ouvi que naquele dia Dr Paulo estava lento, que sua performance em cesarianas era 16 minutos. Com Dr Elton não tive o mesmo privilégio, nunca assisti nenhuma de suas cirurgias. Tudo o que sei é pelo Drs Mesquita, Aiglon, Trombini e Errol. Mestre, ambidestro, seguro, meticuloso, artista. Homem íntegro e carinhoso com seus colegas e pacientes. Tudo que sei é isso, Dr Elton poderia ter sido tudo isso. Mas, preferiu ser isso tudo.

Às vezes, Dr Elton, penso ser o senhor. Logo desperto desse transe, não conseguirei me igualar porque o senhor trabalhava em condições muito mais adversas das atuais. A homenagem pública que Elton Ventura recebeu é meritória e o que eu queria tornar público é que profissionais como o senhor são eternos, representam o que chamamos modernamente de benchmark ou referência. Buscamos copiá-los e tentar manter a classe que sua habilidade emprestou aos cirurgiões que o conheceram de uma ou outra forma.

Valeu, mestres, em fase de aprendizado permanente é forçoso reconhecer que minha voltagem é menor que as suas.

 

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