David Coimbra escreveu dias desses sobre o Botafogo, estrela solitária, último clube romântico do mundo. Lembra a crônica que escrevi há algum tempo sobre Heleno de Freitas, do Botafogo. Minha mãe torcia pelo alvinegro carioca, torcia por Garrincha, anjo das pernas tortas, aquele que venceu a copa do mundo de 1962 sozinho, dizem. Dona Neca não gostava de Pelé e seu mundo glamuroso, dizia que haviam abandonado Garrincha. Neca achava que o Brasil era mais parecido com Garrincha. Garrincha bebia, era pobre, parecia abandonado, inocente, mas enlouquecia seus adversários com dribles malucos, peladeiro como nós crianças, jogava pelos nossos corações e pelas nossas projeções. A gente era assim, Grêmio e Inter, Botafogo e Santos, templos dos reis do futebol.
O futebol um dia foi lúdico. A gente jogava por jogar, vencer não era o mais importante. Faz falta o futebol mágico, aquele da nossa infância, muitas jogadas de Ronaldinho Gaúcho e Neymar, passe preciso, ginga e dibles, como dizia Dener. Ríamos das cadeiras duras dos gringos, do futebol burocrático, homens fortalezas incapazes da improvisação, homens máquinas seguindo um rígido esquema tático, homens sem arte, sem malícia.
Em algum ponto de impacto o futebol deixou de ser bacana, pelo menos para nós. Passou a ser interessante para os atravessadores, para os técnicos e seus interesses escusos, para os presidentes de clubes que ganham mumunhas para contratar determinados jogadores, para jornalistas ligados aos esportes que ganham jabá para identificar virtudes em quem não tem, com estrito interesses comerciais. O futebol dos negócios e negociatas foi retirando o delírio do povo, foi tirando a torcida banguela da geral ou da coréia, assim como os desfiles do carnaval de rua tirou o povo dos bailes de salão.
Não somos mais os maiores do mundo, não temos mais o maior estádio do mundo, somos batidos facilmente. Nossos jogadores são oferecidos aos “empresários” do esporte tal qual meninas marcadas desfilam seminuas para os coronéis dos bordéis, na esperança de sua comercialização. Os atletas trocam de time como quem troca de cueca e beijam os novos escudos e usam roupas da hora e tatuam-se de qualquer coisa e comercializam o que pode ser comercializado.
Aquilo que amamos e nos apaixonamos foi sendo trocado por outro esporte regiamente patrocinado. Os das cadeiras endurecidas, do esporte robótico ri da gente. No Brasil de hoje o que visualizamos não é bem o futebol, parece sacanagem, não parece Mané Garrincha do Botafogo, da estrela solitária, não se parece com o que fez a gente sentir orgulho um dia.