Incomodado com o que chamou de declínio no rigor intelectual de certos acadêmicos das ciências humanas, Alan Sokal, professor de física da Universidade de Nova York, submeteu à apreciação dos editores da revista Social Text (periódico Qualis A2, conforme critérios da Capes), uma paródia de artigo científico, sob o título Transgredir as fronteiras: para uma hermenêutica transformativa da gravidade quântica, que, após o processo de revisão pelos pares, foi publicada na edição de 1996, n. 46/47.
O episódio, na época, serviu para chamar a atenção sobre o espírito de corpo reinante nos meios acadêmicos, chegando a ponto de uma revista conceituada, com luminares da área entre seus editores, aceitar para publicação uma paródia de artigo, que, apesar dos ares de veracidade, não deveria resistir a uma mínima apreciação crítica, pois, como afirmou Sokal posteriormente, estava repleta de meias verdades, um quarto de verdades e inverdades totais, além de coisas sem qualquer sentido lógico.
Alguns pontos precisam ser apreciados criticamente, antes de qualquer juízo. Primeiro, apesar dos ares de sátira do acontecido, a motivação de Sokal foi séria. A sua preocupação ia além da proliferação de tolices de per se. Acima de tudo, lutava contra a hegemonia de um tipo particular de pensamento que negava a realidade objetiva e que, quando desafiado, mesmo admitindo sua existência, diminuía sua relevância pratica. Segundo, o ensaio teórico era baseado em fontes publicadas. Ao gosto das ciências humanas, fora recheado de notas de rodapé meticulosamente preparadas. Todos os trabalhos mencionados eram reais e as citações corretas. Nada, em absoluto, era invenção. Terceiro, aos editores da Social Text cabia julgar a originalidade e relevância do trabalho, a validade e coerência das ideias postas em relação ao que é conhecido e, após, decidir pela rejeição ou aceitação do artigo. Então, por que essa paródia de artigo científico foi publicada?
O ensaio foi aceito para publicação porque Alan Sokal, inteligentemente, não se afastou das ideias dominantes. Pactuou, em aparência, com as sandices ditas e escritas por gente que se alvoroçava como autoridade em discursos posmodernistas, posestruturalistas, socialconstrutivistas, etc. Não questionou o dogma da realidade como um constructo social e linguístico, em que as leis da física são relegadas ao posto de meras convenções sociais. Foi além, ao ligar a comprovação da teoria psicanalítica de Lacan com recentes descobertas em física quântica e buscar justificativa do axioma da igualdade de conjuntos matemáticos a partir de analogia com políticas feministas. Mas, chegou ao cume do absurdo nas conclusões, quando, tendo abolido a realidade por ser um limitante, resolveu sugerir que a ciência, em ordem, para ser libertária deve se subordinar a estratégias políticas, estando a exigir uma profunda revisão dos cânones da matemática. E, surpreendentemente, os editores aceitaram que a busca pela verdade na ciência deve obedecer a uma agenda política.
Na minha opinião, o que induziu os editores da Social Text ao erro foi a arrogância intelectual e o corporativismo. Seria compreensível que, caso se julgassem incapazes de avaliar as referências das ciências naturais, buscassem suporte em revisores externos. Embora não seja necessária nenhuma formação mais robusta em física e matemática para se identificar o absurdo da ligação de Lacan com teoria quântica e entre igualdade de conjuntos com políticas feministas. E, para os que acreditam serem as leis da física não mais que convenções sociais, sugiro, aos que moram em edifícios de múltiplos pisos, preferencialmente acima do 5º andar, que tentem transgredir a “convenção da gravidade” a partir da janela do seu apartamento.
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