O arco-íris de Feynman, de Leonard Mlodinow, é o tipo de livro que tem de ser lido com atenção nas linhas e com atenção redobrada nas entrelinhas. O ambiente, no caso o Instituto Tecnológico da Califórnia, em Pasadena/EUA, e alguns personagens, especialmente os cientistas que protagonizam o enredo central da narrativa, são reais. Todavia, há que se ter bem claro que certos fatos e alguns nomes foram deliberadamente alterados pelo autor, em busca do melhor relato para as experiências que vivenciou ou, até mesmo, visando a não impingir constrangimentos a pessoas ainda vivas.
Leonardo Mlodinow, que hoje é escritor e roteirista em Hollywood (foi o responsável por MacGiver e Star Treck, por exemplo, entre outras séries de sucesso na TV), recebeu o seu Ph.D. em Física pela Universidade da Califórnia, Berkeley, em 1981. A sua dissertação de doutorado, sobre teoria quântica em dimensões infinitas, lhe assegurou, quando recém graduado, uma posição no Instituto Tecnológico da Califórnia (o famoso Caltech, que, apesar do tamanho bem menor, rivaliza com o MIT em número de cientistas ganhadores do Nobel - 17 x 17 -, além de se destacar pela taxa elevada de suicídios de estudantes entre as Universidades nos EUA. Atualmente, a popularidade da instituição aumentou por ser o local de trabalho dos personagens principais do seriado The Big Bang Theory: Sheldon Cooper, Leonardo Hosfstadter, Raj Koothrappali e Howard Holowitz ), vindo a ocupar uma sala no mesmo corredor em cujo fim também estavam localizados os escritórios de dois ganhadores do Prêmio Nobel de Física, que, não por acaso, eram rivais: Richard Feynmam e Murray Gell-Mann. Especificamente, trata da natureza da ciência e dos próprios cientistas e seus mundos de competição, a partir das conversas mantidas pelo autor, então um jovem cientista, com o físico famoso, no caso Feynmam, que sofrendo de câncer tinha, aparentemente, os seus dias contados.
Dick Feynman e Murray Gell-Mann, as duas lendas vivas da Física do Caltech no começo dos anos 1980, a não ser pelo prestígio que gozavam, tinham poucas coisas em comum. Mlodinow descreve-os como duas personalidades bastante distintas. Richard Feynman como um sujeito extrovertido, brincalhão, genial, que transformava qualquer assunto da Física em algo fascinante (as famosas The Feynman Lectures on Physics são exemplos), e Murray Gell-Mann, apesar de ser um cientista influente e reconhecido pelos pares, como um indivíduo pernóstico, que parecia sofrer de complexo de inferioridade, pois estava sempre disposto a demonstrar o quão brilhante era. Feynman era a nêmesis intelectual de Murray, projetando a sua sombra sobre Murray no mundo da Física. Quando da morte de Feynman, Murray surpreendeu pela amargura no obituário que assinou na edição especial da revista Physics Today, aparentando, apesar de Feynman morto, um sujeito ainda competitivo e atormentado, ao escrever: “trabalhar com Richards foi se tornando menos agradável para mim porque ele parecia pensar mais em termos de eu e você do que em nós”.
Leonard Mlodinow idolatra Richard Feynman, acima de tudo, pela prática, tanto de vida quanto científica, que se regia pela intuição, pela inspiração e pelo desprezo em relação a regras e costumes acadêmicos. A grande lição que recebeu de Feynman é que alguém pode se considerar um verdadeiro cientista quando ainda se entusiasma com as descobertas e é capaz, tal qual Descartes, de teorizar sobre o arco-íris motivado apenas pela sua beleza.
Richard Feynman lutou 10 anos contra um câncer no estômago e, quatro cirurgias depois, quando entrou no Centro Médico da Universidade da Califórnia, em 3 de fevereiro de 1988, mesmo diante da gravidade da situação, conseguiu ser espirituoso ao dizer que encarava aquele momento como o da sua derradeira descoberta: saber como é morrer. E ele efetivamente descobriu isso em 15 de fevereiro de 1988.
(P.S.: O colunista agradece ao Sr. Mauro Nodari que o presenteou com o livro O arco-íris de Feynman.)