Criado há 15 anos, graças a uma parceria entre a Universidade de Passo Fundo e o Poder Judiciário, o Juizado Especial Cível de Passo Fundo garante agilidade em demandas jurídicas, desafoga o Judiciário e serve de plataforma de ensino prática para estudantes do Direito. No posto, um batalhão de 35 estagiários presta serviços de atendimento jurídico à comunidade, considerados de menor complexidade. Acidentes de trânsito, briga de vizinhos, causas que abarrotariam ainda mais o Judiciário, e poderiam levar anos, são resolvidas em alguns meses, ou nem isso. E quem conduz a maioria das ações não são juízes de ternos impecáveis, de cabelos alinhados: são estudantes do curso de Direito da UPF, que fazem do primeiro atendimento até a audiência de reconciliação. Sempre supervisionados por um professor da Universidade, eles estagiam de forma voluntária, obrigatória ou remunerada.
Nicole Bortolan Bertoldi, aluna do quarto semestre, dedica quatro horas diárias em um dos balcões de atendimento do posto. Ali, a estudante de 18 anos aprende na prática o que nem conhecida na teoria. “Tem coisa que eu estou vendo agora na faculdade que já sei porque uso bastante aqui”, explica. Os dias no juizado fizeram Nicole evoluir, como ela diz. “É um aprendizado muito grande, tanto para faculdade quanto para a carreira”, completa.
Remunerada agora, voluntária quando começou, há seis meses, Nicole é conhecida de Dona Albertina Ferreira. A senhora de 70 anos procurou duas vezes o JEC: a primeira, conta, em maio deste ano, havia deixado o carro numa lavagem e lhe entregaram o veículo com problemas no câmbio. A segunda é uma das mais recorrentes no posto: valores cobrados por empresas de telefonia. Quando dos problemas, Dona Albertina recebeu todo o auxílio. “Eu vim aqui e me deram por escrito o que tinha que precisava trazer”, diz a senhora, que não tem dúvida sobre o JEC. “O atendimento aqui é muito bom”, elogia.
A experiência na prática
“O profissional do Direito tem que ser amadurecido. Muitas vezes, o aluno faz a faculdade e não tem contato com a realidade”, explica o professor Rafael Machado Soares. “Ele tem toda a teoria na cabeça, mas não vivencia os problemas sociais. Aqui, eles têm com fazer esse contato e começam a ver o problema e sentir a necessidade do estudo para solucionar”.
Camila Gabriele Streit não queria conceder entrevista. Disse ser nova no local, que entrevistassem outra estagiária, mais experiente. Não adiantou o pedido. Teve de contar o mês e pouco das quatro horas de estágio voluntário, sempre nas tardes de terça e quinta-feira, que dedica ao JEC. Nos primeiros dias, a aluna do turno da manhã sentia-se desconfortável, porque, como revela, “é difícil lidar com pessoas”. “Precisei aprender a identificar qual o problema da pessoa, deixa-la mais calma”. Depois, a coisa melhorou. “Nos primeiros atendimentos, eu ficava nervosa, não sabia o que falar muito bem, agora fico mais calma”, diz a estudante.
A hierarquia dos estagiários
Flávio Angelo Perin, de 52 anos, não precisa dizer o nome para apresentar-se. Apenas mostra uma placa branca, que diz, ainda, em caixa alta: conciliador. Essa função é o topo da hierarquia dos estagiários do posto. (Sim, há uma hierarquia entre os estagiários do posto). O conciliador é o que, como sugere o termo, tenta conciliar as coisas, resolver o problema. “As partes falam e eu vou explicando, mediando, para chegar a um consenso”, explica Flávio.
O recém-formado em Direito já havia estagiado no JEC em outra oportunidade, e agora, mesmo sem precisar, pediu para ficar mais um tempo ali, antes de prestar a prova para Ordem dos Advogados do Brasil. Em média, Flávio atua em 20 audiências por dia, que podem durar de 15 minutos, as mais simples, e outras, de maior complexidade, mais de uma hora. “Sempre tem um fato novo. Se eu tenho dificuldade, peço ajuda aos professores”, diz. O tempo de estágio no posto deu ao estagiário a confiança para entrar no mercado de trabalho. “Hoje, por exemplo, fico muito tranquilo se eu tiver que advogar lá fora, até mesmo com os casos maiores”.
Mas não é qualquer um que chega ao ‘topo’. “Geralmente selecionamos o conciliador dentre os que passaram pelas diversas etapas, que já conhece o processo”, diz o professor Julio Cesar Giacomini, que orienta as audiências no JEC. Hoje, o posto conta com 13 que realizam a tarefa de conciliador.
Há 15 anos
A Universidade de Passo Fundo, ainda em 2000, firmou convênio com o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul com o objetivo de propiciar a prática jurídica aos estudantes da Faculdade de Direito e prestar atendimento à população. O convênio resultou na criação do Posto do Juizado Especial Cível, em 2001. De lá para cá, 35 mil atendimentos foram realizados. Além dos três professores citados anteriormente, a professora Maira Tonial e Noeli Techio também fazem parte da equipe.
Como funciona?
Os estagiários realizam todas as etapas, sempre sob supervisão de um dos professores que orientam o JEC. Os alunos mais experientes, tanto no posto quanto na faculdade, conciliam a primeira audiência. Quando há acordo entre as partes, o processo é encerrado e aguardam o cumprimento do acordado. Caso não ocorra, é marcada outra audiência, mas a condução fica a cargo de um juiz leigo, nomeado pelo Tribunal de Justiça. “O reclamante (quem pede o atendimento) vem aqui e já sai com a audiência de conciliação agendada”, explica a coordenadora Edimara Sachet Risso, que diz que a média de espera é de 40 dias. “Esse tempo é o suficiente para que a outra parte seja intimada para comparecer”.
O JEC atende causas que envolvem até 20 salários mínimos, aquelas que dispensam a presença do advogado. Há, ainda, o atendimento a casos de até 40 salários mínimos, mas estes ocorrem com presença do advogado. Qualquer pessoa pode solicitar atendimento no JEC. Para isso, é preciso levar documentos pessoais, comprovante residência, documentos que façam provas das alegações que a pessoa tem a fazer.
Os professores que coordenam as atividades se desdobram para levantar o número de estudantes que passaram pelo Posto desde a criação. Acreditam que seja por volta de 600, uma média de 50 por semestre. Mas o certo é que, nesses 15 anos de JEC, muita gente resolveu problemas por culpa do estagiário.
Contato:
Av. Brasil Oeste, 743 - Centro, em frente à antiga Prefeitura.
ep: 99025-002
Telefone: 3316-8542
Horário de atendimento: 13h30min às 17h30min (segunda à sexta-feira)