Todos os anos os gaúchos, em setembro, corcoveiam pela cancha de um ufanismo imaginário. Mesmo neste ano em que amargamos a realidade de um estado falido, que deixa à míngua seus educadores e seus soldados. Mesmo com 45% das escolas gaúchas reprovadas em redação no ENEM. Mesmo na semana da notícia de que nossos guris estão abaixo da média nacional em alfabetização. Mesmo com índices de violência iguais ou superiores ao Rio de Janeiro. Somos bravos e combatentes de uma revolução perdida. Mas não perdemos a altivez.
Deixei para ler esta semana uma excelente novela de Tabajara Ruas. “Minuano” é um livro direto, simples, narrado por um cavalo crioulo rengo. Minuano não foi à guerra por ter sido atacado por um leão baio quando ainda potro. Manteve-se numa estância dos Campos de Cima da Serra com sua dona, já idosa, e outros cavalos doentes ou desdentados.
Mas a grandeza de Minuano, o rejeitado, estava por vir. Eis que na estância aparece o General Bento Gonçalves, que havia fugido da Ilha de Itaparica na Bahia, atravessara o oceano. Precisava de uma cavalo para chegar até Viamão para encontrar-se com os revolucionários, e depois seguir até Piratini. Resigna-se ao que sobrou.
Minuano é cavalo narrador. Conta a história do ponto de vista dos heróis anônimos, rejeitados e esquecidos. Excluídos da história. Depois de transportar o general farroupilha, Minuano é abandonado à sorte. Seu destino apenas não é pior porque é acolhido por Djinga. Mulher e negra, teria sido rainha na África. Acompanhava os lanceiros para lhes levar água. Djinga resigna-se ao resto, já que nenhum homem soldado queria pra si aquele rengo.
Com a sutileza de quem olha o mundo como subalterno, Minuano conta o fim da guerra, descreve o campo coberto de sangue e de corpos na noite de massacre em Porongos, um exército de sobreviventes feridos em busca de um rumo. E conclui que há apenas um ser no mundo que ele teme mais do que ao leão baio: o homem.
“Minuano”, de Tabajara Ruas, narra a história dos farroupilhas desde a coxilha dos esquecidos na história: cavalos rengos, mulheres, e negros. Especialmente o destino dos lanceiros negros.
Este romance é uma ótima leitura para olharmos à realidade do Rio Grande do Sul com menos ufanismo. O passado sob o olhar de um cavalo trôpego pode nos ajudar a entender melhor o trote estropiado de nosso presente. O gaúcho é um centauro rengo, ferido por um leão baio feroz. É preciso cuidado no corcovear.