Unindo a ficção de Jorge Luis Borges com algumas descobertas relativamente recentes das neurociências, o físico argentino Rodrigo Quian Quiroga realizou uma autêntica viagem pelo cérebro humano, desde “Funes el memorioso” até o que se conhece por “neurônio da Jennifer Aniston”, que acabou materializada no livro “Borges y la memoria”, publicado em 2011 pela editora Sudamericana. Quian Quiroga, com o conhecimento de causa de quem foi autor de descobertas relevantes nos domínio das neurociências e a paixão pela obra de Borges, produziu um texto que consegue, ao mesmo tempo, ser informativo em um campo relativamente árido da ciência e literariamente agradável. Eu diria que Rodrigo Quian Quiroga, em “Borges y la memoria”, chegou bastante próximo do ideal da perfeição, no que tange à popularização da ciência, transmitindo idéias complexas de uma maneira simples, porém sem perder rigor científico, e, simultaneamente, entendível pela maioria das pessoas.
Antes mesmo da publicação de “Borges y la memoria”, Rodrigo Quian Quiroga já gozava de reconhecimento, nos meios acadêmicos, por artigos publicados em revistas como Nature e Frontiers in Bioscience, e, popularmente, por matérias e entrevistas em jornais tipo The New York Times e The Washington Post. Em particular, pela descoberta, considerada por muito como revolucionária, do papel de neurônios individuais na representação de conceitos. A esse tipo de neurônio, que responde de uma maneira abstrata, ignorando os detalhes, compete a conversão do que percebemos (aquilo que vemos, sentimos ou escutamos) em memórias de longo prazo (que recordaremos no futuro).
A complexidade dessa descoberta começou pela necessidade de implante de eletrodos no cérebro humano, que, embora seja algo habitual em estudos com animais, não é com gente. Foi graças a várias inovações tecnológicas nesse tipo de eletrodo, desenvolvidas na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), instituição que abrigou um pós-doutorado de Rodrigo Quian Quiroga, que o mencionado cientista argentino chegou à descoberta da conectividade de áreas visuais superiores com o hipocampo. No experimento que realizou na UCLA, Quian Quiroga constatou que alguns pacientes tinham neurônios específicos que eram estimulados pela imagem de pessoas, coisas ou lugares, por exemplo. Foi o caso de um paciente que respondeu igualmente a diversas imagens de Maradona e outro, que ficou mais famoso, o do neurônio que respondeu a sete fotografias bastante distintas da atriz Jennifer Aniston, a Rachel da série televisiva Friends. A primeira constatação interessante é que esse tipo de neurônio responde a conceitos abstratos e não aos detalhes de alguma imagem (ou foto) em particular. A abstração dos “neurônios de Jennifer Aniston”, assim batizado por Quina Quiroga e colaboradores, localizados no hipocampo e arredores, é codificar conceitos abstratamente para serem guardados na memória. Nem percepção e nem memória, mas conexão entre ambas é o que faz o hipocampo. Não é por nada que tendemos a esquecer de detalhes e lembrar conceitos, razão pela qual, com bem frisou Quian Quiroga, os neurônios tipo Jennifer Aniston são cruciais na transformação de nossas percepções em recordações. Se não fossem esses neurônios terminaríamos como Ireneo Funes, o memorioso personagem de Borges, sem capacidade de abstração e sem conseguir pensar, recordando apenas detalhes irrelevantes.
Para que serve esse tipo de descoberta? Entre tantas coisas, para demonstrar a possibilidade de que pessoas com déficits motores sérios possam se comunicar com o mundo exterior a partir da atividade de neurônios individuais. Ou, quem sabe, materializar a ficção mostrada no filme “Até o fim do mundo”, do cineasta alemão Win Wenders, em que um cientista busca implantar imagens no cérebro da mulher que é cega, antevendo a possibilidade de inversão do processo e, assim, projetar pensamentos em uma tela de computador.
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