Esta noite sonhei com uma ex-namorada e seus pais, tão ali, tão vivos, em conversa animada em que, misturados à ausência da passagem do tempo, constatava como permaneciam jovens. Ía escrever me perguntando sobre o paradeiro dela e o que estava fazendo da vida. Bobagem, sei exatamente onde ela está e de onde jamais irá sair. Ela habita, como a todas as pessoas impactantes de nossas existências, um lugar permanente em nossos cérebros e corações. Ali, entre a emoção e razão, entre recordações, vivem para sempre quem fez parte das nossas travessias, das nossas loucuras e aventuras pequenas ou grandes.
Nasci com uma virtude ou imbecilidade, de acordo com a subjetividade de cada um, de deletar passagens ruins e sublimar os grandes momentos. Acredito que, em algum lugar do futuro, nós desafetos por qualquer idiotice, tenhamos a grande chance de trocar abraços em nome dos melhores momentos. Talvez aí, plenamente conscientes da pequenez das existências, caiamos na real, a real de constatar que tudo poderia ter sido infinitamente melhor mas, se nossas limitações não impedissem que assim tivesse sido.
O início de minha infância se perde na memória. Talvez tivesse iniciado ao ouvir Beatles tocando My Bonnie (Tony sheridan, 1962) ou Nilo Amaro e Seus cantores de Ébano desfilando Uirapuru ou Leva Eu Sodade (1961); quem sabe Maracangalha de Dorival (1955 – historinha de Zezinho, amigo de Dorival, que inventava compromissos em Maracangalha para visitar uma amante) ou Maria Chiquinha (Sonia Mamed-Evaldo Gouveia, 1961) ou, ainda, Encosta Tua Cabecinha no Meu Ombro e Chora (Paulo Borge –Alcides Geraldi, 1958). Lembro, no entanto, o ano em que terminou. Foi em 1969, quando minha mãe, frente a limitações financeiras de quem tinha oito bocas para sustentar, comunicou a mim e a Renato que não ganharíamos presentes de natal, em benefício de meus irmãos menores, porque, como deveríamos saber, Papai Noel não existia. Claro, mãe, assertimos calmamente, Papai Noel não existe. Ledo engano, tirando um coelho da cartola, nem sei de que mágica, Dona Neca e Seu Jorge deram um jeito e acabamos ganhando presentes. Porém, Papai Noel partiu para sempre. Mãe mágica-pai mágico, muito maiores que qualquer Papai Noel.
Agora é dia da criança novamente e quando dizem que sou infantil ou sonhador recebo como elogio. Bons tempos aqueles, de jogar bola e andar de bicicleta, fazer troças o dia inteiro e colecionar álbuns de figurinhas, de tomar limonada e chupar picolé nos fins de tardes, tempos em a felicidade não morava ao lado, morava dentro de nós. Você ainda é uma criança? Que bom.
Falei com um garoto, filho adotivo, que se sentia dual: feliz por ter sido escolhido por outros pais, triste por se sentir abandonado pelos pais biológicos. Garoto, grande garoto é o seguinte: no mundo adulto, o mundo das infelicidades não existem filhos ilegítimos; mas, existem pais ilegítimos.