Uma questão de saúde pública

Cerca de 150 pessoas morreram no ano passado por alguma causa violenta, entre elas, os acidentes de trânsito

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Ângela Maria Finatto Stein acordou por volta das 3h de domingo (8). Com exceção de Victor, o filho mais velho, todos da família estavam em casa. O guri de 17 anos havia saído com um amigo, pouco depois da meia-noite. A mãe o esperava. “A hora que eu levantei para ver se ele estava em casa, tocou a companhia”. Era o pai do amigo de Victor.  A notícia não era boa.

Victor Finatto Buffon cursava o último ano na Escola Protásio Alves. O domingo iniciava uma semana importante para o jovem. Na quarta-feira (11), ele completaria 18 anos. No sábado (14), prestaria o primeiro vestibular de sua vida. “Ele sonhava em cursar agronomia e depois cuidar das terras da família”, lembra a mãe. O sonho acabou no banco traseiro de um Celta. O automóvel dirigido pelo amigo de Victor acessou a Avenida Brasil, vindo da rua Ângelo Preto, e colidiu em um poste e em outro veículo estacionado na calçada. Era 0h59. O filho de Ângela morreu na hora.

O “filho de ouro” - como define a mãe – não costumava frequentar festas e não era afeito a bebidas alcoólicas. Tinha outros hobbies. Gostava de jogos de videogame e ir a casa de amigos. Mas eram as duas rodas que fascinavam Victor. “Era apaixonado por motocross”, diz Ângela. “Ele juntou dinheiro sozinho e comprou a moto. Eu nunca dei um centavo para ele.” A nova motocicleta foi a segunda na vida do jovem, a primeira tinha sido presente do avô. Mas ele teve pouco tempo para pilotá-la: usou-a uma vez, segundo a mãe.

No Celta, além de Victor, havia mais quatro jovens com idades entre 18 e 21 anos, que sofreram lesões leves. De acordo com o boletim de ocorrência, os policiais encontraram uma garrafa de energético e outra de vodka próximas ao carro. Entretanto, segundo a Polícia Civil, não foi constatado o uso da bebida pelo condutor do veículo.  As causas do acidente seguem sendo investigadas.

As fotos do perfil do jovem no Facebook mostram que os amigos e o motocross faziam parte da rotina do “Narega” ou “Vitinho”, como era geralmente chamado pelos mais próximos. Amizade essa que três dias após sua morte foram publicadas na página de Victor. “Desde que você se foi, este dia que antes era de alegria e festa, agora é de saudade”, escreveu uma amiga. “Quem é que vai chegar cedo de manhã na aula e me dar bom dia? Quem é que vai perguntar como foi meu final de semana?”, pergunta outra. No dia do aniversário, o aluno da turma 301 recebeu homenagens na escola. Com balões brancos e vermelhos, os colegas, de mãos dadas, rezaram por Victor na quadra de esportes. Os balões ganharam o céu: “Parabéns pra você, nesta data querida, muitas felicidades, muitos anos de vida”, cantavam. Alguns choravam. Todos aplaudiam.

Problema de saúde

Victor perdeu a vida da forma que mais morrem pessoas com idade entre 15 e 29 anos no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde. No Brasil, a situação é semelhante. O número de mortes de pessoas entre 18 e 29 anos no trânsito só é superado pela quantidade de vítimas de homicídios, conforme o Mapa da Violência.

Em Passo Fundo, a questão não foge à regra. Suicídios, homicídios e acidentes de trânsito são responsáveis por, pelo menos, 150 mortes ao ano no município, segundo o Secretario de Saúde, Luiz Arthur Rosa Filho. As três juntas são categorizadas como mortes violentas e só não fazem mais vítimas que as doenças cardiovasculares e o câncer. Nesse contexto, as mortes no trânsito correspondem a um terço. “A maior parte dessas vítimas são pessoas com até 30 anos”, afirma o secretário, que compara. “É provável que não tenha nenhum câncer que chegue a 40 óbitos por ano em Passo Fundo”.

De acordo com o vereador Padre Wilson, da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Trânsito Seguro, os órgãos de trânsito trabalham em conjunto para diminuir os acidentes de trânsito, como, por exemplo, operações como a Balada Segura. “O trabalho vem dando resultado, mas não é suficiente”, afirma. “Parece que tudo isso é muito pouco diante do descaso com a vida, diante do aumento do consumo de bebida alcoólica, da irresponsabilidade”.

Para o vereador, o número de acidentes tem a ver principalmente com a faixa de idade dos jovens. “A moçada tem um modo de vida diferente de uma pessoa adulta, que já tem sua vida mais definida, organizada. O jovem é bastante irreverente e oscila muito, tanto no seu humor, quanto na busca por sensações. Em alguns casos, eles buscam essas sensações através do álcool, drogas quando estão ao volante”.

A opinião do vereador vai ao encontro do que diz a coordenadora do Núcleo de Educação para o Trânsito, Raquel Rúbio. “Infelizmente, nossos jovens estão esquecendo a questão do perigo do álcool. Eles acabam bebendo e dirigindo, e isso é perigoso”, afirma. Segundo Raquel, em 2014, 51 pessoas perderam a vida devido a acidentes de trânsito em Passo Fundo. Neste ano, até o fim de setembro, o número chegava a 26. Os dados são a acidentes registrados no perímetro urbano e rodovias estaduais e federais que passam pelo município. De acordo com Raquel, um terço das vítimas tinha idades entre 18 e 25 anos. “Os acidentes com jovens têm aumentado muito, tanto os com danos materiais quanto os com vítimas fatais. E geralmente acontecem em início e final de balada, que o pessoal abusa do álcool ao dirigir”. Para Raquel, é preciso criar uma cultura de respeito entre pedestres e condutores. “O trânsito só vai mudar quando tivermos o entendimento que, no trânsito, não há apenas condutores. Ele tem que ser pensado para as pessoas. Para termos um trânsito seguro, temos que formar cidadãos e não só condutores.”

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