Blaise Pascal (1623-1662), cientista, filósofo e escritor francês, deixou, certamente, uma contribuição muito mais relevante do que meras frases espirituosas, tipo: “quanto mais falo com os homens, mais admiro o meu cachorro”. Em suas memórias, por exemplo, quando destaca as condições sob as quais escreveu a maior parte da sua obra – um frio de congelar os dedos que o obrigava a permanecer a maior parte do tempo dentro de casa -, contempla detalhes que, embora aparentemente sem importância para a maioria das pessoas, servem para se entender como foram as condições de ambiente naqueles tempos na Europa.
Os anos 1600 não foram nada agradáveis para os europeus. Guerras intermináveis e, nos curtos intervalos de paz, pragas, fome e pestes que se encarregavam de dizimar uma população já debilitada. Paralelamente, também invernos de arrepiar, tempestades e verões secos arruinavam as plantações e criavam condições favoráveis para incêndios, que culminaram no “grande incêndio de Londres”, em 1666.
Não é por acaso que historiadores e geólogos costumam chamar esse período de Pequena Era Glacial ou Pequena Idade do Gelo, em analogia com as glaciações do passado. E o interessante é que a proposta desse termo (“Little Ice Age”) foi baseada mais em referências históricas do que propriamente em evidências empíricas. O que, a partir de então, deu maior credibilidade ao uso de referências históricas, tipo os escritos de Pascal, para se recriar as condições de ambiente do passado. O conceito surgiu a partir de citações históricas de tempestades, ondas de frio, frustrações na agricultura, deslocamento de povos etc., bem como evidências indiretas do avanço glacial nos picos de montanhas e em pólen de plantas e outros sedimentos.
A Pequena Era Glacial foi um fenômeno característico do Hemisfério Norte. E pode ser explicado pelo predomínio dos continentes sobre os oceanos nesse hemisfério, que se resfriariam muito mais rapidamente. O processo foi menos pronunciado no Hemisfério Sul devido à reduzida massa continental nas altas latitudes, funcionando a conjunção do Pacífico, Atlântico e Índico como uma espécie de poder tampão junto ao Círculo Antártico. Fisicamente: uma questão elementar, baseada na diferença de calor específico entre terra e água. E essa tal Pequena Era Glacial durou uns 300 anos, entre 1550 e 1850. Nesse meio tempo com alguns períodos de aquecimento e outros de recrudescimento do frio. Um aquecimento sistemático começou mesmo após 1910.
O interessante dessa história é que existe uma ligação entre o comportamento dos oceanos tropicais e as anomalias climáticas da “Pequena Era Glacial” no Hemisfério Norte, particularmente na Europa. E aí entra El Niño, mudando a posição da zona de atuação da frente polar no Atlântico Norte, influindo nas colisões entre massas de ar polar e temperado na região e, por sua vez, contribuindo para aumentar a probabilidade de desprendimento de “icebergs”.
É fato que o evento El Niño contribui para aumentar o número de “icebergs” que se deslocam para o sul (no Hemisfério Norte) e que esta tendência continua na primavera após um El Niño forte. O que é perceptível pelo ano de 1912, que teve a maior quantidade registrada de “icebergs”, entre 1900 e 1929. Daí fica fácil especular que o Titanic poderia não ter o fim trágico que teve naquele 15 de abril de 1912, não fosse a ocorrência do El Niño de 1911. Essa é mais uma tragédia da História que pode ter sido influenciada por El Niño, via uma relação entre as condições atmosféricas e oceânicas no Atlântico Norte com o comportamento das águas no distante Pacífico tropical.
Quanto ao que podem ter em comum Blaise Pascal, Pequena Era Glacial, El Niño e o naufrágio do Titanic? Admitamos que são leituras indiretas que podem ajudar para um melhor entendimento da História, como são exemplos a investida de Napoleão na campanha contra a Rússia, em 1812, e que, por ignorar El Niño, acabou derrotado pelo “General Inverno”.