Tenho duas datas de nascimento: 05 de maio de 1957, domingo 11:45, Hospital Santa Lúcia - Cruz Alta e 11 de maio de 2003, sexta 10:00, Avenida Rio Grande 387 - Passo Fundo. Em 2003 resolvi retomar minha vida saudável, afinal estava com 98 kg e tudo predizia morte súbita. A partir dessa data comecei a correr, inicialmente na pista do quartel e depois nas ruas de Passo Fundo. Percorri uma média de duzentos kms por mês e acredito ter feito todo o contorno do nosso Brasil. Nasci novamente ou renasci. Nessas andanças, passo-a-passo, pude retirar algumas considerações: uma - mais de 80% das pessoas usa jeans (que fazíamos sem os jeans?); duas - além das camisetas de Grêmio e Inter a mais usada é a da seleção da Argentina. Vi um e outro com a do Santos-Corínthians-Galo-Palmeiras. Isso corrobora o estudo que mostra que o Rio Grande é o estado mais fiel aos seus dois grandes clubes. Somente 50% dos torcedores de Minas, por exemplo, torce para Galo ou Cruzeiro. Outra percepção: a maioria dos fumantes na rua é constituída de mulheres.
Dia desses resolvi caminhar até o Vermelhão da Serra. De aqui de onde moro até lá dá quase 5 km. O caminhar permite que a gente observe com calma as mudanças que a cidade teve e que não havíamos percebido. Casas que foram demolidas, nossos eternos bares de sonhos e cachaça e que não resistiram ao tempo. Há em cada canto mil histórias para serem contadas.
Aqui, nesse lugar, veja bem, meu amigo Mendonça estacionou seu fusca 1500 e fomos caminhando até a bilheteria do Vermelhão. Era julho de 1979 e o Quatorze, do goleiro Picasso, iria enfrentar o Inter de Jair, o príncipe. Caminhamos, o Sargento Mendonça (que dividia quarto de república comigo) e eu exatos 810 passos ou 500 metros. Estava frio e Mendonça usava um capote preto e eu...bem, não lembro direito. O Inter venceu por 3 x 0. Eu tinha fé em Picasso, desde que em 1972 ele (goleiro do meu Grêmio) tinha defendido um penalti cobrado por Carlos Alberto Torres na Vila Famosa. Oberti tinha feito o gol da gente. Eu estava como o ouvido colado no rádio e nem prestava atenção nos cochichos que Azelindo e meu pai, chineiros de carteirinha, faziam sobre outras mulheres das suas vidas. Nessa mesma noite houve um incêndio na Presidente Vargas ao lado de onde hoje é a Millenium. Ali, veja só, bem ali.
Tem razão Tagliari em reclamar para o excelente Luis Carlos Scheneider. Está faltando quem conte sobre os bares da cidade, pelo menos das últimas cinco décadas. Esse foi o desafio que lancei ao Marco Damian, assim como também a Osvandré e Ivaldino. Não é somente sobre bebedeiras, é sobretudo sobre a comédia das nossas vidas, nossos projetos frustrados, sobre as mil mulheres que desejávamos e sobre os lamentos de não tê-las. Te amo, ruas e bares de Passo Fundo, por aí estão nossas histórias.