É um trabalho feito de porta em porta. Maria Elizabeth Guimarães e Patrícia da Silva batem palma na frente de casas na rua Telmo Ilha, no Loteamento Leonardo Ilha. “Vizinha!”, grita uma delas. “Somos da fiscalização da dengue. Podemos dar uma olhada no pátio?”. Quem atende é uma adolescente, que aparenta ter menos de 15 anos. Ela conduz as agentes de endemia pelo terreno. No local, objetos com água parada, como garrafas de vidro e pneus, são vistoriados e “virados” para que não se tornem moradia para larvas dos mosquitos Aedes aegypti e Aedes albopictus, transmissores de doenças como a dengue, zika vírus e febre chikungunya.
Apesar de todo o lixo e água parada, Maria e Patrícia não encontram larvas no local. Na casa vizinha, porém, elas são encontradas em um balde onde havia uma Espada-de–São-Jorge. A moradora nem suspeitava que ali houvesse larvas do mosquito. Maria Elizabeth e Patrícia recolheram uma amostra, que será posteriormente analisada pela Vigilância Ambiental em Saúde. O trabalho prossegue nas casas próximas. Após a vistoria, os moradores recebem um documento atestando a visita e a informação de que, em 30 ou 60 dias, será feita uma nova vistoria. Além da limpeza dos possíveis criadouros, as agentes dão dicas para ajudar no combate ao mosquito, além de aconselhar, em caso de suspeita de dengue, a procurar atendimento médico e a não tomar paracetamol.
Apesar do trabalho das agentes, o número de focos preocupa as autoridades. Em 2015, ainda sem os dados fechados, a Vigilância estima ter encontrado 700 focos de Aedes aegypti e 176 focos de Aedes albopictus em Passo Fundo. No mesmo período foram confirmados oito casos importados de dengue e um autóctone (quando a doença é contraída dentro do município). Vila Luiza, Planaltina, Lucas Araújo são os bairros que mais preocupam. Maria Elizabeth e Patrícia e outras 20 pessoas fazem a fiscalização da dengue no município. O quadro total para o trabalho é de 30 pessoas, que deve ser preenchido até o fim de janeiro.
O descuido da população não é o único motivador de novos focos. “Em alguns bairros, eles (os moradores) nos recebem, outros é mais difícil, principalmente de manhã”, afirma Maria Elizabeth. Em alguns endereços, a vistoria não é feita porque não há ninguém no local. Na tarde da terça-feira (5), das 10 abordagens que a reportagem de O Nacional acompanhou, em sete os moradores foram solícitos à vistoria. Nas outras, não havia ninguém. Mas, de acordo com a dupla, essa situação não é regra. “É muito difícil o povo colaborar”, opina Patrícia.
A reclamação da agente de endemia reforça a necessidade da lei municipal sobre o assunto. Nela, o morador ou proprietário do imóvel que impedir a vistoria ou não colaborar com limpeza do local pode ser multado. “As multas vêm para mexer no bolso da população, para tentar conscientizar em relação aos cuidados”, explica Ivânia Silvestrin, chefe do Núcleo de Vigilância Ambiental em Saúde de Passo Fundo. “O morador vai ser notificado e autuado se não permitir a entrada do agente. Antigamente, se ele não deixasse entrar, fica por assim mesmo. Hoje, com essa lei, ele tem obrigação de abrir o imóvel e permitir a vistoria”. O projeto de lei foi aprovado em dezembro pela Câmara de Vereadores e deve ser publicada no próximo dia 18.
Como funciona
O trabalho da Vigilância em Saúde continua o mesmo, o que muda é a possibilidade das multas que vão de R$ 1 mil até R$ 10 mil. Os agentes realizam a vistoria e, ao verificar a existência de focos do aedes aegypti no imóvel, notificam o responsável pelo local a realizar a limpeza. Duas semanas depois, outra visita é feita e, caso não seja atendida a exigência, uma multa será aplicada. O prejuízo financeiro pode ser maior se não houver a colaboração com a limpeza. “Se o morador for autuado em R$ 3 mil, e 15 ou 20 dias depois nós retornarmos e verificarmos a reincidência, a multa pode dobrar”, exemplifica Ivânia.
Até mesmo imobiliárias que têm imóveis para alugar ou vender serão responsabilizados. “Nos terrenos baldios também vamos notificar e autuar os proprietários que não mantiverem seus terrenos limpos e sem criadouros do Aegdy aegypti. E até mesmo piscinas também que não estiverem limpas”, afirma. As multas serão revertidas em ações de educação e prevenção à proliferação dos mosquitos Aedes aegypti e Aedes albopictus em Passo Fundo.
Número de casos de dengue quase triplica em um ano no país
O número de casos de dengue quase triplicou em 2015, de acordo com Ministério da Saúde. Até a primeira semana de dezembro foram registradas 1.587.080 ocorrências da doença em todo o país. Em 2014, foram notificadas 569.160 infecções por dengue. O número de mortes também aumentou. Em 2015, 839 pessoas morreram vítima da dengue, contra 465 em 2014, que representa um aumento de 80,4% entre um ano e outro. “Essa é a realidade em todo o país. A gente encontra pessoas que sabem dos problemas, mas acham que Passo Fundo não tem dengue, que zika vírus só dá lá no Nordeste, em áreas mais carentes”, comenta Ivânia Silvestrin. “A dengue não escolhe classe social. Essa visão que a população tem que ‘na minha casa não tem dengue’ é um paradigma que precisa ser quebrado”.
Os passo-fundenses podem denunciar casos de locais que favoreçam a proliferação de mosquitos pelo telefone (54) 3046-0073. “Que cada um de nós possa ser um agente de combate à dengue, orientando os vizinhos a não manter a água parada e cuidando da limpeza”, pede Ivânia.