Um congresso, realizado no Trinity College, em Dublin/Irlanda, de 20 a 23 de setembro de 1993, reunindo algumas celebridades da ciência na época, marcou o auge das comemorações alusivas ao cinquentenário das palestras de Erwin Schrödinger sobre O QUE É VIDA?, que haviam sido realizadas pelo eminente cientista, nessa mesma instituição, em fevereiro de 1943. Aos convidados especiais foi solicitada uma reflexão sobre o futuro da biologia, à maneira das conferências originais de Schrödinger, nos próximos 50 anos (a partir de 1993). As contribuições dos palestrantes (e de outros convidados que não puderam se fazer presentes) deram forma a um livro, publicado pela editora da Universidade de Cambridge, em 1995, que ganhou edição em português, pela Fundação Editora da UNESP, em 1997. Foi um exemplar da edição brasileira, com uma instigante e provocativa dedicatória, que tive o privilégio de ganhar de presente no último Natal, de parte do colega Elisson Pauletti. Essa coluna intenciona fazer por merecer o presente e, quem sabe, até justificar a aludida dedicatória.
Há quem diga que essas três aulas públicas, ministradas por Erwin Schrödinger, abrangendo uma vasta audiência (estima-se que cerca de 400 pessoas assistiram a essas conferências), como parte das obrigações estatuárias do Instituto de Dublin para Estudos Avançados, no qual Schrödinger era profissionalmente vinculado, e que depois foram reunidas no livro O QUE É VIDA? O ASPECTO FÍSICO DA CÉLULA VIVA, publicado em 1944, marcariam indelevelmente o futuro da biologia. Outros veem certo exagero nessa afirmação, pois apesar das provocações deveras instigantes postas por Schrödinger, essas premissas partiram de um físico teórico (um dos pais da mecânica quântica, laureado com o Prêmio Nobel de Física em 1933), que era detentor de parcos conhecimentos em química e sabia menos ainda sobre biologia, tomando por base algumas ideias não originais ou até mesmo erradas. Efetivamente, muitas das especulações de Schrödinger, o tempo e a boa prática científica se encarregariam de mostrar (ou já havia sido demonstrado), estavam erradas. De qualquer forma, o cerne das suas conferências, tratando da natureza da hereditariedade (o gene como uma espécie de cristal aperiódico) e a termodinâmica dos seres vivos (ordem a partir da desordem), é ainda atual.
O livro O QUE É VIDA?, de Erwin Schrödinger, indiscutivelmente, faz parte do grupo das chamadas “pequenas obras” (94 páginas, conforme a edição original de 1944) de maior repercussão na história da ciência. O mérito dessa obra não reside na reinvindicação de originalidade e nem na prerrogativa de veracidade dos conceitos postos. O seu valor, assim é que eu percebo esse livro, está, a par do caráter provocativo do título (O QUE É VIDA?), na capacidade de persuasão de Schrödinger em estimular o envolvimento de cientistas não afeitos às ciências biológicas, especialmente os físicos, na elucidação de questões básicas nas ciências da vida, que culminariam com a descoberta da estrutura do DNA, o dogma central da biologia molecular, em 1953, e seus desdobramentos posteriores, caso do código genético, a tecnologia de recombinação do DNA e a biologia sintética, etc., revolucionando, efetivamente, o nosso entendimento do que é vida.
Friso que, pro meu gosto, a contribuição mais relevante desse congresso, foi dada por Ruth Braunizer, filha de Erwin Schrödinger, que, até por não ser cientista, optou por destacar alguns aspectos inéditos nas biografias do eminente cientista: o que fez o seu pai pensar e pensar daquela maneira? Elementar, segundo ela: foi educação básica que ele recebeu no ambiente vienense no começo do século 20. E, sobre escolhas de temas para pesquisa, lembrou uma conversa de Schrödinger, uns dois anos antes de morrer, com alguém que o procurou para saber qual o assunto deveria escolher para seus estudos futuros. A resposta abrupta e enfática que recebeu foi essa: “antes de saber qual seria o assunto de minha escolha, já havia me decidido a ser um professor”. Eis a grande lição deixada por Schrödinger: antes de andar alucinado em busca de assuntos para dissertações/teses, saiba o que você quer ser nessa vida.