A leitura aguarda na garagem

Projeto desenvolvido por um grupo de estudos da UPF, que pretende levar cultura por meio dos livros às ruas de Passo Fundo, depende de aprovação da prefeitura

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No box de garagem, as geladeiras aguardam para levar leitura às ruasNo box de garagem, as geladeiras aguardam para levar leitura às ruas
No box de garagem, as geladeiras aguardam para levar leitura às ruas
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Ingaí foi uma índia caeté que viveu no litoral de Pernambuco e resistiu bravamente aos portugueses que vieram com Duarte Coelho, donatário da capitania, em 1535. Presa pelos colonos, que tentaram violá-la, Ingaí resistiu e conseguiu fugir, mas suicidou-se no mato. A índia, hoje, representa a bravura, coragem e resistência do povo brasileiro. Foi uma mulher guerreira e lutou até o fim pela liberdade de sua gente. É em homenagem a ela que o grupo de estudos e extensão, que nasceu há três meses, na Universidade de Passo Fundo ganhou o nome de Ingaí. Foi ideia do grupo, em parceria com um projeto já existente há mais tempo na UPF, o BookCrossing, distribuir geladeiras com livros pela cidade, a fim de incentivar a leitura. As três geladeiras, fruto de doação, ganharam nova pintura e desenhos, pensadas para atrair os olhos desatentos de quem caminha pela rua. No entanto, desde dezembro, aguardam em um box de garagem pela aprovação da prefeitura para ganhar as ruas e novos leitores.

Patricia Ketzer, professora de ética e conhecimento da Universidade de Passo Fundo e integrante do grupo, explica que a ideia é situar os objetos em praças, espaços de lazer e convívio da população, de modo que a leitura passe a fazer parte desses momentos de descontração e possa tornar-se um hábito prazeroso e de fácil acesso para todos os cidadãos que ali circulam. “A ideia é que qualquer um possa ir até a geladeira, escolher um livro para ler, levá-lo consigo e deixar outro no lugar. Futuramente, pretendemos disponibilizá-las em outros bairros, além do centro, já contatamos o Grupo Mulheres em Movimento da Morada do Sol, para construirmos um espaço de bookcrossing naquele bairro”. Segundo ela, o objetivo maior do bookcrossing é que cada vez mais as pessoas tenham acesso a um número maior de livros, leiam e compartilhem suas experiências de leitura. “Nesse contexto, o objetivo de mantermos esses pontos na UPF, e agora ampliá-los para outros pontos da cidade, é incentivar a leitura sustentável, motivando as pessoas a libertarem livros que já leram”.

A leitura e suas vantagens
Que ler faz bem já não é novidade, afinal, as vantagens de cultivar o hábito da leitura já são amplamente conhecidas. “Sabemos que estimula a imaginação, enriquece o vocabulário, desenvolve a criatividade, amplia a cultura. Crianças que adquirem desde cedo o hábito de ler aprendem com mais facilidade, pronunciam melhor as palavras e se comunicam melhor de forma geral. Quem lê mais escreve melhor e mais corretamente”. Conforme Patricia, a leitura empodera, na medida em que possibilita o acesso à informação, estimula o senso crítico, auxiliando a entender melhor. “Ler é libertador, pois tem o potencial de nos tirar da ignorância, de desvelar o senso comum, nos tornando questionadores e problematizadores”, explica.

O projeto não funciona, porém, sem a colaboração e o desapego dos passo-fundenses. A ação somente se concretiza na medida em que as pessoas libertarem livros nas geladeiras, para que possam ser lidos por outros. “Normalmente quem ama os livros recomenda-os aos seus familiares, amigos e conhecidos, com o intuito de partilhar os conteúdos. Com o bookcrossing estas sugestões dos livros que gostamos chegam também a desconhecidos libertando o livro, tornando o alcance da literatura maior ainda. Trata-se de trocar livros com o objetivo de tornar o mundo numa única e enorme biblioteca, disseminando o hábito da leitura e a troca de experiências literárias. Isso se tornaria uma “brincadeira” interessante e divertida, além de ser um modo de multiplicar amizades e conhecimentos e de difundir cultura”. A população passo-fundense só tem a ganhar com o projeto. Porém, um último passo ainda falta para colocá-lo em prática. 

Autorização
O grupo entrou em contato com a prefeitura em dezembro e aguarda ansiosamente uma resposta. “Certamente entendemos o zelo da prefeitura, que quer analisar bem a proposta antes de autorizar a ação, mas por outro lado, gostaríamos que fosse possível que a literatura tomasse as praças da cidade o quanto antes, fazendo jus ao título de Capital Nacional da Literatura”, afirma Patricia. O jornal O Nacional entrou em contato com o setor de planejamento da prefeitura, que informou que está avaliando o projeto para a possível autorização.

Grupo Ingaí
O grupo surgiu na Universidade de Passo Fundo com o intuito de refletir e discutir sobre a conjuntura política do país com base em teóricos da filosofia. No decorrer dos encontros, entretanto, os integrantes sentiram necessidade de pensar a teoria juntamente com ações práticas. O Grupo é composto por voluntários, com base no interesse dos integrantes de, não somente estimular o livre pensamento e o debate aberto de ideias, mas também transformar essas reflexões em práticas.

Bookcrossing
O bookcrossing é a prática de deixar um livro num local público, para que outros o encontrem, leiam, voltem a libertá-lo e, assim sucessivamente, fazendo com que esses livros sejam lidos pelo máximo de pessoas possível. O BookCrossing é uma ação do Projeto “Ensino e Inovação”, do curso de Letras da UPF, coordenado pela professora Luciane Sturm. A ação existe desde 2012. O primeiro ponto de bookcrossing no interior do Rio Grande do Sul foi o Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH-UPF) e atualmente existe outro na Faculdade de Artes e Comunicação (FAC-UPF). As geladeiras, no entanto, tem o intuito de ampliá-los para fora dos muros da universidade, atingindo também aquelas pessoas que não frequentam a instituição e estimulando-as a ler e a libertar livros.

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