Um telefonema que recebi do Sr. Mauro Nodari, assíduo leitor de O Nacional, no final da tarde do último domingo (24), confirmou o que eu suspeitava: Jerônimo Finckler, autor do livro “O espírito e a serpente: o sonho do paraíso” (Editora Vozes, 1993), que foi o assunto dessa coluna na sexta-feira passada (22), já morreu. Por limitação de espaço e incapacidade de síntese, na ocasião, foram tratados apenas alguns aspectos da referida obra. Mas, há mais, muito mais, nas 183 páginas desse livro. É por isso que retomamos o assunto, inclusive, em atenção aos pedidos de alguns dos nossos poucos leitores.
Jerônimo Finckler dá vazão ao amplo contraditório que se estabelece, quando põe em jogo as suas visões de bem e de mal, que ele de rotula de Espirito x Serpente. Na alegoria usada por Jerônimo Finckler, que segue a tradição judaico-cristã, a serpente aparece como a usurpadora da árvore da imortalidade, como a criatura sedutora de toda a terra habitada, simbolizando, acima de tudo, o poder do mal, hostil a Deus e ao seu Povo. E a pessoa humana, na visão dele, como uma unidade formada por corpo (matéria), alma (parte imaterial que dá forma às faculdades intelectuais e morais de uma pessoa) e espírito (uma nova dimensão que está além do tempo e do espaço, que nos torna imortais).
Entre as “serpentes” dos tempos modernos, Jerônimo Finckler incluiu o filósofo Friedrich Wilhelm Nietzsche que, pela criação da figura do “super-homem”, insuflou o ideal do homem emancipado, livre e sem peias religiosas, inspirador, em certos aspectos, da ideologia nazista, e que continua bem vivo no ateísmo materialista, racionalista, hedonista e utilitarista, que se estende até os nossos dias. Ao eliminar Deus, nesse caso, o homem enveredou pelo caminho da filosofia e de ciência sem sabedoria. O racionalismo e o cientificismo, na visão de Jerônimo Finckler, estão entre os males do mundo, pois, o poder do conhecimento, para alguns, reproduz uma espécie de “promessa de serpente”. A tal ponto de execrar e rotular como inaceitáveis os racionalismos científicos, políticos e econômicos. É quando o homem, jactando-se de possuir a sabedoria, torna-se tolo.
Todo mal, para Jerônimo Finckler, tem origem em escolhas humanas erradas ou nas falsas escolhas. A infelicidade e os sofrimentos humanos têm causa nos desejos sem medida (parafraseando Buda). Estando o desejo de “ser” ou “ter que ser”, na expectativa dos outros, na base dos principais conflitos e frustações humanos, que, quase sempre, envolvem vontade e disputa de poder. E, nesse caso, vontade de poder que se manifesta no consumismo, na prepotência, na opressão, na cobiça, nos desejos insaciáveis, em ódio e em rancor. No individualismo, na presunção de “ser o melhor”. No egocentrismo que percebe o EU como o centro do mundo e faz girar ao redor de si mesmo todo o resto, inclusive os outros seres humanos, que não são percebidos como iguais, mas como “objetos” ou apenas “coisas” para o deleite pessoal. É quando o orgulho, o ódio, o egoísmo, a inveja, o ciúme, a mágoa, a desconfiança e os ressentimentos, em última instância, poluem o coração humano.
E, se vivo fosse, e estivesse escrevendo hoje o seu “O espírito e a serpente: o sonho do paraíso”, quais exemplos Jerônimo Finckler usaria como modelos de “Serpente” e de “Espirito” dos novos tempos? Impossível sabermos. Mas, seguindo a tendência que vem sendo imposta pelos veículos de comunicação diuturnamente, quem sabe, não colocaria, na condição de “Espirito”, o STF, a Policia Federal e a Operação Lava Jato, e, como “Serpente”, os Mensalões, a propina, os políticos e técnicos corruptos e os empresários e executivos corruptores.
Eu não ousaria qualquer julgamento e nem arriscaria palpites, pois, segundo o próprio Jerônimo Finckler, os meios de comunicação social muitas vezes atuam como falsos profetas, dando voz à “Serpente”, o mais astuto dos animais selvagens que o senhor Deus criou, que é capaz de armar ciladas engenhosas e, não raro, bem sofisticadas.