OPINIÃO

Canjica com leite, mogango com leite

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Minha mulher prometeu um arroz carreteiro com charque. É muito bom, não é mesmo? Isso me fez lembrar dos jantares que meu pai preparava. Ele gostava mesmo era de revirado (arroz misturado ao feijão) com fatias de cebola e de acompanhamento com café preto (existe café branco?). Minha avó era especialista em carne picada com arroz e batata, que saudade daquele gostinho. Sobremesas? Bem, canjica com leite e açúcar...(espaço para salivar) ou mogango com leite gordo. Quando a coisa era mais elaborada tinha creme de laranja. Sorvete ou picolé? Somente aos finais de trade se a gente se comportasse, eu gostava dos de baunilha ou morango. Quando a coisa estava feia a gente ia de melancia mesmo.

Lembro de Élio Quaresma, pai de Lelo, porque algumas vezes eu ia almoçar lá na casa deles. Era um cerimonial: o velho sentava à cabeceira, ao lado direito sentava Dona Judite e os filhos completando os lugares. Eu sentava ao lado de Lelo e só se conversava os assuntos que o velho queria conversar. O negócio era comer devagar, mastigar bem, tomar água só ao final da refeição. A mesa estava posta sob um parreiral e quando todos acabavam de almoçar o velho puxava uma melancia, que era por ele fatiada, e acontecia o deleite. A gente comia devagar e sem conversar.
Minha avó materna Adelaide apreciava fazer chimia (schmier) de abóbora e a gente de maneira furtiva dava umas colheradas na panela. A gente costumava colocar os caquis e ariticuns (fruta- do-conde) nas tulhas de feijão para amadurecer mais rapidamente. Nada superava os bolinhos de arroz e o café da tarde na casa de Adelaide. Sérgio (onde andará?) me ensinou a comer pão com banha e que não era tão ruim como se imagina. Cerveja, para os adultos, era gelada na água do poço ou em alguma lagoa próxima e as festas de criança eram regadas à limonada. Era tudo tão mágico e as coisas todas se bastavam por si mesmas. A gente estava sempre enturmado.

Sexta-feira de fevereiro, quase carnaval (a festa momesca que se realiza em países que não têm problemas mais sérios para se resolver) e estou sentado sozinho à mesa. Minha filha ainda dorme porque foi a uma festa e voltou tarde, meu filho ficou jogando no computador até altas horas e tomou café às onze e minha mulher foi para a granja tratar de seus negócios e só voltará à tarde. Olho para a lasanha e para a coca-cola, olho para os lados e não vejo meus primos, nem meus irmãos, nem minha família de ontem e nem a de hoje. Que tempos, não é mesmo, nem sentamos mais juntos à mesa? É tudo correria, é tudo fast-food. Mas, vou fazer de conta que a ela está repleta, tal qual a mesa de Élio Quaresma, vou mastigar devagar e tomar água só no final. Vou conversar somente assuntos pertinentes comandados pelos mais velhos e... um momento, onde está a canjica?

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