Nos anos 1970, quando, efetivamente, teve início o processo de modernização da atual agricultura brasileira, o uso do enfoque de sistemas de produção, formalmente chamados, na ocasião, de “pacotes tecnológicos”, suscitou um amplo debate entre sociólogos e pesquisadores agrícolas sobre qual era papel efetivo dessas novas propostas tecnológicas e a serviço de quem elas estariam: dos agricultores ou do capital internacional?
Os pesquisadores agrícolas advogavam que a organização dos “pacotes tecnológicos” seria a maneira mais rápida e efetiva para se lançar mão do estoque de conhecimentos existentes e colocá-lo em prática via os programas de assistência técnica e extensão rural, com o fomento do crédito rural. Conceitualmente, os “pacotes tecnológicos” idealizados na época, hoje, parecem bastante simples. Envolviam, como regra, três conjuntos de conhecimentos: sobre insumos, a maneira de combiná-los e informações de mercado. Inclusive, na ocasião, foi elaborada uma metodologia para a formulação desses pacotes tecnológicos, combinando a participação de pesquisadores, assistentes técnicos, produtores rurais e representantes dos agentes financeiros (no caso o Banco do Brasil), em reuniões específicas, quase sempre realizadas nas regiões alvos, seguindo uma receita pronta, descrita em um documento orientador. Teoricamente, um modelo ideal, envolvendo pesquisa, extensão e crédito rural.
Os sociólogos, partindo do conceito de pacote tecnológico como um conjunto de técnicas, práticas e procedimentos agronômicos articulados entre si e empregados indivisivelmente numa lavoura, com base em padrões validados pela pesquisa, à luz da crítica que se fazia à Revolução Verde, tinham algumas restrições bem claras a esse modelo. Alegavam que o pacote tecnológico era uma estratégia de associação do uso dos meios e produção, de modo que sem essa articulação o emprego de um insumo isolado não viesse a produzir os resultados esperados, que se prestava, mais que à modernização da agricultura, a atender aos imperativos da internacionalização da economia brasileira. Indo um pouco além, alguns argumentavam que a pesquisa agrícola, por meio de testes, ensaios e experimentação, ao fomentar o emprego dos chamados insumos modernos (sementes melhoradas, fertilizantes, agrotóxicos, etc.) e máquinas, o que mais fazia era garantir a reprodução do capital industrial. No caso brasileiro, a intervenção estatal na elaboração dos pacotes tecnológicos, capitaneada pela novel Embrapa, revelava, segundo as críticas, os nexos orgânicos do Estado com o capital.
O pacote tecnológico é uma espécie de conhecimento intangível, um “saber-fazer”, que uma vez disseminado torna-se de domínio público. Isso significa dizer que não é passível de ser apropriado pela inciativa privada, pois não pode ser patenteado ou monopolizado. É por isso que a intervenção do Estado, o capitalista coletivo ideal, se fazia necessária, socializando os custos e os riscos da produção do pacote e privatizando, em benefício das indústrias de insumos, os lucros resultantes do seu uso na agricultura; conforme argumento bastante empregado pelos sociólogos que criticavam o modelo em voga na nossa agricultura nos anos 1970.
Entre 1975 e 1979, sob o comando da Embrapa, foram produzidos cerca de 700 pacotes tecnológicos para a agricultura brasileira. Pode-se dizer que esse foi um esforço organizado e eficaz de articulação institucional e técnica entre pesquisadores, agentes de assistência técnica e produtores rurais, que deu um novo rumo à agricultura brasileira.
Com o passar do tempo, os “pacotes tecnológicos” ganharam o nome de “sistemas de produção” e as críticas, quanto à inspiração na Revolução Verde e forjados sob auspícios de um regime autoritário, foram arrefecendo e esse tipo e discussão perdendo cada vez mais o sentido. Virou a tônica da agricultura mundial.