Manhã dessas, depois de mais uma noite de temperaturas escaldantes, acordei de sobressalto e eis que a primeira coisa que meus olhos fixaram, em meio aos muitos livros dispostos em uma estante, foi a lombada de um grosso volume, que trazia o titulo “Nôvo Programa de Admissão – Com Matemática Moderna”. Não resisti à tentação, tomei o exemplar na mão, o único remanescente dos tempos de escola, e em instantes, me via retrocedendo 45 anos no tempo e refletindo sobre o quanto aquele livro, usado nas quintas séries, fora importante na formação de toda uma geração que, no rito de passagem do antigo primário para o ginásio, prestava o famigerado exame de admissão.
Abri o exemplar, de número 3032, da 26ª edição, publicado pela Companhia Editora Nacional, no começo de 1971, com textos organizados pelos professores Aroldo de Azevedo, Domingos Paschoal Cegalla, Joaquim Silva e Osvaldo Sangiorgi. A seleção de autores para o estudo da língua portuguesa, feita pelo professor Domingos Paschoal Cegalla, é primorosa. Reuniu excertos de textos assinados por Humberto de Campos, Monteiro Lobato, Rachel de Queiroz, Malba Tahan, Erico Verissimo, Sra. Leandro Dupré (a escritora Maria José Dupré, autora de Éramos Seis) e muitos outros. Mas, não foi por isso que eu guardei esse livro. A razão de ele me acompanhar todos esses anos, por motivos profissionais óbvios, é o capitulo de Geografia, que leva a assinatura do professor Aroldo de Azevedo, o famoso A.de.A, em referência à abreviatura que ele usava, para indicar a autoria, nas figuras e mapas que ilustravam os seus livros. Mas, afinal, quem foi Aroldo de Azevedo? Em que contexto histórico está inserido o seu pensamento geográfico? Como ele conseguiu ser o senhor absoluto no mercado de livros didáticos de Geografia no Brasil, de 1934 até o começo dos anos 1970?
Aroldo Edgard de Azevedo (1910-1974), natural de Lorena/SP, simplesmente A.de.A, era formado em Direito, porém não seguiu a carreira jurídica e passou a se dedicar ao magistério da Geografia. Integrou a primeira turma do curso de Geografia e História da USP, que teve inicio em 1936, nos moldes da tradição francesa de unir o lugar (geografia) ao tempo (história). Formou-se em 1939, e, de imediato, passou a dar aula na mesma faculdade que havia sido graduado bacharel. Em 1942 assumiu a cátedra de Geografia do Brasil na USP, da qual foi titular até a sua aposentadoria em 01/03/1967. Começou assim, a partir da USP, o domínio de Aroldo de Azevedo no mercado de livros didáticos de Geografia no Brasil. Ele ara autor de livros de Geografia para todas as séries escolares imagináveis. Invariavelmente, com poucas adaptações, seguiam o mesmo roteiro: O Universo e o nosso mundo; A nossa Pátria – o Brasil; O nosso continente – a América; e O resto do mundo. Entre 1934 e 1974, publicou trinta livros didáticos de Geografia, cujas estimativas de venda dão conta de terem atingido a vultosa quantia de 12 milhões de exemplares no período. Eram obras bem produzidas, com textos esmerados e farta ilustração, que, em parte, justificam o êxito editorial.
O pensamento geográfico de Aroldo de Azevedo fora forjado na Escola Regional Francesa, especialmente em Emmanuel de Martonne. Inclusive o ultimo artigo que ele escreveu, enviado para publicação no dia da sua morte, em 4 de outubro de 1974, fazia apologia aos franceses como os maiorais da ciência geográfica. Era, por origem, um homem conservador, prestando-se a reproduzir o pensamento das oligarquias que dominaram o País na primeira metade do século 20. Detentor de uma visão ufanista do Brasil, que exaltava o patriotismo pela paisagem (uma terra abençoada por Deus!), preferindo a narração à análise. Optou por uma Geografia física em detrimento da humana, deixando fora das suas obras algumas questões sociais que eram caras e relevantes ao Brasil (os pobres eram referidos simplesmente como os menos favorecidos). Em síntese, o pensamento geográfico de A.de.A, com forte viés etnocêntrico europeu, hoje, é visto como superado e inferior ao legado deixado por geógrafos como Milton Santos e Aziz Ab`saber, por exemplo.
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