De Sergio Endrigo só não aprecia quem não o conhece; ouça Io Che Amo Solo a Te ou La Arca di Noe para sentir o frisson. Em San Remo (1968) dispôs a composição que intitula essa crônica para Roberto Carlos e o Rei levantou a taça. Pela TV P&B, inebriados, de repente, em Cruz Alta, todos cantávamos em italiano fluente, tal qual Gianni Morandi. Canzone per Te representou bem mais do que poderia ser. Foi o epílogo uma era musical. Era o fim da romântica Jovem Guarda. O Rei amadurecera, havia outros apelos musicais, a Tropicália dos Mutantes e da guitarra na música brasileira, os baianos velhos e novos. Tinha os milicos, tinha Glauber, Vandré, Chico em grande forma e a turma queria protestar contra tudo, não havia mais espaço para manifestações pueris. Era hora de aposentar o iê-iê-iê inglês mesmo porque os próprios Beatles cientes da finitude de sua parceria compunham músicas intimistas. Era hora de parar de pular e gritar e abordar temas mais adultos. Viva à Janis Joplin, Hendrix, Lou Reed, Joan Baez. Viva a paz, sexo, bebidas, drogas lícitas ou não, tudo...tudo, menos a guerra, nada de guerra porque agora a turma era do papo cabeça e as necessidades estavam além de baladinhas dançáveis.
O Rei encostou de lado o calhambeque logo após San Remo. Erasmo leu perfeitamente o que acontecia e compôs a linda Sentado à Beira do Caminho, tão impactante que Braulio Pedroso na novela Beto Rockfeller incluiu um megaclipe marcando Luís Gustavo a caminhar pelas ruas de São Paulo, introspectivo, ao som dessa música sob a direção de Lima Duarte. Era hora da libertação do Rei, assim como aconteceria com os Beatles, hora de deixar eclodir os talentos individuais e Erasmo entristecido, quase resignado canta...eu não posso mais ficar aqui, a esperar...que um dia, de repente, você volte para mim...preciso acabar logo com isso, preciso lembrar que eu existo...Ruptura, transformação, traumática ou não, mas absolutamente necessária. Não éramos mais os mesmos, a não ser em momentos inebriantes de saudosismo, momentos em que resgataríamos a inocência despossuída da crítica ácida sobre a sociedade e comportamentos. Nada de rebeldia, nada mais de cantar e pular, apenas amar do amor demais. A ruptura liberta, muitas vezes para melhor e talvez seja, também por isso, que sou muito mais dos Beatles do que Rolling Stones. Rolling é grupo, trabalho em conjunto e acho que nunca aventuraram em carreiras solos (?). Já os bad boys de Liverpool eram talentos individuais aglutinados, genialidade quase metafísica. É como se os Beatles fossem a seleção brasileira de 1970, Inter 1975-76, Grêmio de Felipão 1994-95-96. É evidente que é apenas minha opinião, cada qual tem suas percepções e seus amores incontidos. Pouco conheço das músicas dos Rolling, a não ser a mítica Angie que assisti num clipe do Fantástico em 1974, então perdão aí aos fãs de Mick Jagger.
Sobre a crônica de há alguns dias sobre Roberto Carlos e Eu recebi carinhosos comentários de Ironi Andrade e de Avelino Rockenbach. Professor Avelino referiu a marcante interpretação do Rei em Canzone per Te. E é para a sensibilidade e o carinho de meus amigos de sempre que dedico o que vai escrito. Para os corações abertos não há passado e nem futuro, a obra musical está sempre no presente.
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