OPINIÃO

Hegel, Engels e Lacerda

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Ao produzir a peça jurídica solicitando a prisão de Lula, os preclaros integrantes do Ministério Público paulista, talvez pelo açodamento em enquadrar o ex-presidente – coisa que o MP paulista não vem demonstrando em notórios casos de falcatruas do tucanato bandeirante –, deram uma inequívoca demonstração de ignorância na área da filosofia. Os promotores simplesmente confundiram Engels com Hegel. O primeiro, era filho de um próspero fabricante de produtos têxteis. Ele e Marx iniciaram uma colaboração que duraria a vida toda e tornaram-se membros de grupos socialistas. Em fevereiro de 1848, publicaram o Manifesto Comunista, que conclamava as classes trabalhadoras a uma revolução para a derrubada do sistema capitalista. Hegel, falecido em 1831 – portanto, não poderia fazer parceria com Marx, a não ser psicografando suas ideias –, exerceu profundas influências sobre Marx. Meus alunos da cadeira de Sociologia Jurídica, aprenderam que no começo de suas ideias, a grande matriz do pensamento de Marx foi, certamente, Hegel, que pode ser incluído naquilo que se chamou de idealismo alemão. Na Alemanha do século XIX, o jovem Marx estava embebido do espírito hegeliano, o qual absorveu por meio do contato com uma grande corrente de pensadores discípulos de Hegel, os chamados hegelianos de esquerda, dentre os quais destacava-se principalmente Feuerbach. O marxismo, assim, estando de início mais próximo do hegelianismo, fugiu, desde sempre, das explicações típicas do Iluminismo e do liberalismo. O pensamento hegeliano, que é também calcado na realidade, permitiu a Marx essa substancial especifidade.  Também é importante destacar que Marx partilhou do hegelianismo apenas uma parte: Marx possuia uma visão essencialmente social e histórica, que fez por aprofundar muito mais  a análise dos dados concretos do homem em sociedade, na sua  ação e no seu trabalho, do que os dados abstratos do homem em si mesmo, individualmente, na sua mera especulação teórica, o que era típico do pensamento hegeliano. O acento de Hegel é na consciência: o de Marx, na realidade. Marx, quando começa a censurar a filosofia hegeliana – embora lhe seja em alguma parte tributário - dirá que Hegel está certo em tudo. É preciso  entender o mundo a partir da história e, para entender a história, é preciso valer-se da ferramenta dialética, entendendo-a a partir dos conflitos. Mas Marx dirá que Hegel só está errado  em uma coisa: dizer que o conflito, primeiramente, aparece no nosso entendimento, na nossa razão, e só depois  se transforma em realidade. É o contrário. Primeiro está na realidade, e é a partir dela que as pessoas o entendem. Ao que tudo indica, os promotores paulistas, que se julgam acima das ideologias, cabularam esta aula e, entraram para a história, com uma gafe amazônica. Engels e Hegel devem estar querendo se levantar do túmulo. Houve época em que os concursos para a Promotoria eram mais  exigentes! Se os “cultos” promotores paulistas deixaram Marx e Hegel  envergonhados, não se pode  dizer o mesmo da massa golpista que ontem ocupou as ruas do  país, fazendo uma verdadeira ode ao seu mito maior, Carlos Lacerda, o mais notório golpista da história política brasileira. Os paulistas, sempre eles, reeditaram a Marcha da Família com Deus Pela Liberdade de 1964, que, com o apoio americano, foi decisiva para o golpe contra Jango. Neste domingo foi a Marcha dos Reacionários com Lacerda pelo Golpe. A direita radical destilou mais uma vez seu verdadeiro ódio  acumulado durante os anos de derrotas eleitorais. Derrotas fruto de sua gigantesca incompetência e às mudanças sociais promovidas pela esquerda, como a divulgada pelo IBGE, na Síntese de Indicadores Sociais; em 2004, 16,7% dos alunos pretos ou pardos estavam em uma faculdade; em 2014, esse percentual salvou para 45,5%. No caso dos estudantes  brancos, em 2004, 47,2% frequentavam o ensino superior; dez anos   depois, essa parcela passou para  71,4%. Apenas para citar um dado. Para alguns, me parece, o pior da esquerda foi ter aberto espaço para não brancos nas universidades e distribuído renda como nunca antes. Concordo plenamente com a punição dos corruptos, de todos, e, não apenas de alguns, selecionados pelos critérios de promotores que não sabem  distinguir Hegel de Engels. Ao ver as manifestações de ontem, lembrei-me que Marx ao criticar Hegel, observou que em uma de suas obras este afirmava que todos os fatos e personagens de grande importância na história ocorrem, por assim dizer, duas vezes. Marx, asseverou que ele esqueceu-se de acrescentar que a primeira vez acontece como tragédia e a segunda como farsa.

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