OPINIÃO

Diálogo de surdos?

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A insatisfação da população com a situação política e econômica se reflete na intensidade dos protestos e no nível do debate vivido no Brasil. Parece que estamos vivendo o que grosseiramente costumamos chamar de um “diálogo de surdos”, expressão que considero preconceituosa, pois nasceu embasada na crença de que surdos não tem linguagem e não dialogam.
O tribulado momento político e econômico no país encontra respaldo no descontrole das contas públicas, que foram corroídas. O governo federal prevê para este ano uma queda maior do PIB (Produto Interno Bruto, soma das riquezas produzidos em um país) do que a calculada em fevereiro. Em lugar da retração de 2,94% calculada no mês passado, a equipe econômica trabalha agora com contração de 3,05%. A previsão de inflação para 2016 também aumentou, de 7,1% para 7,44%. As mudanças estão no Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas divulgado pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
Afinal, qual é o real motivo de tanta insatisfação com a economia? O que de fato aconteceu? O economista e ex-ministro Delfim Netto esboça algumas explicações. Segundo ele, “Lula é um gênio, um diamante bruto, uma inteligência absolutamente fora da curva. Ele não distribuiu só fazendo déficit, produziu uma política interna de redistribuição de renda focando melhor programas que já existiam. Essa distribuição de renda começou com o Médici, com a aposentadoria para todos os velhinhos do campo. Cada um foi acrescentando algo e, quando veio o Bolsa Família, aconteceu uma melhoria dramática no nível de bem-estar da sociedade brasileira.”
Mas não há nada gratuito em economia. O preço que pagamos (e não precisava ter sido) foi a valorização do câmbio usada para combater a inflação. Quando se aumenta salário acima dos índices de inflação e produtividade, se tem como resultado mais inflação ou déficit de conta corrente. No caso do Brasil, um pouquinho de cada. “Quando o Lula entrou, era vento de cauda. Quando a Dilma entrou, era vento de frente. Ela continuou distribuindo o que não tinha mais (Delfim Netto).”
Eleitor de Aécio Neves, Joaquim Levy, foi chamado pela Presidente para fazer os ajustes necessários na Economia e corrigir os erros de seu primeiro mandato. Não conseguiu concluir a reforma fiscal e fazer os ajustes. Nelson Barbosa assumiu em seu lugar, e até o momento não conseguiu dizer a que veio. No entanto, Dilma parece incapaz de reconhecer os equívocos cometidos e se implicar na atual situação vivida no país. Essa é a surdez do governo, não ouve mais ninguém (muitos lados para ouvir?) e se não ouve, como então dialogar?
Não adianta a Presidente Dilma pedir paciência para a população e falar que a situação política e econômica estão sob controle, quando na prática, o que se observa, é o preço da gasolina subir 50% e a conta da energia elétrica saltar em 60%. Segundo o economista Samuel Pessoa, “se é verdade que nossos problemas estruturais foram agravados pela omissão do governo petista em encaminhar soluções para eles e também pela incompetência generalizada da gestão do PT, que adiciona dificuldades às já existentes, é necessário saber que a retirada de Dilma do Palácio do Planalto e a indicação de Temer não serão uma solução”.
De acordo com Pessoa, as ruas pensam que nossos problemas estruturais se resumem
à corrupção, que teria atingido valores extraordinários com o petismo. A troca no Planalto faria aparecer recursos vultosos no caixa do Tesouro, tornando possível uma solução para nossa crise fiscal. Os fatos vindos a público pela Operação Lava Jato somente reforçam esse diagnóstico.
Nesse ambiente de acirrada disputa política, o economista diz que “as ruas estão erradas. Nossos problemas estruturais se devem a uma série de benefícios, regimes especiais, isenções e privilégios, com variados graus de legitimidade, que foram adicionados à legislação. O resultado é que o gasto público cresce além do crescimento da economia nos últimos 25 anos”.
O que precisamos é que se estabeleça um diálogo verdadeiro, onde se possa entender o que está sendo dito e quais as motivações que fazem medidas e ajustes tornarem necessárias em um dado momento. Precisamos mergulhar nessa linguagem diferente e incompreensível: porque surdos se comunicam muito bem, têm língua própria, se fazem entender e entendem iguais e diferentes. Basta verdadeiramente entrarmos em outros mundos...

Adriano José da Silva
Coordenador da Escola de Administração da IMED

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