OPINIÃO

O dia que o nosso ancestral chorou

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Imagino que aquele nosso antigo ancestral, mesmo tendo passado um lapso de tempo estimado entre 75 e 100 mil anos, no dia que tomou consciência da finitude da vida em geral e se deparou com a iminência da própria morte em particular, tenha se derramado em prantos. Afinal, ainda que, naquele instante, não tenha sido descoberto o sentido da vida, sobraram motivos para chorar, pois se completava ali a tríade das grandes questões sobre as quais, desde então, a humanidade, apelando para a religião, a filosofia e a ciência, tem andado às voltas. São elas: de onde viemos?; que somos?; e para onde vamos?
Três perguntinhas aparentemente simples, mas que exigem respostas complexas ou, pelo menos, um pouco mais elaboradas, para merecerem um mínimo da nossa atenção. As duas primeiras, a ciência, valendo da obra seminal de Charles Darwin e desdobramentos decorrentes, ousa tentar responder. Se as respostas são convincentes ou não, é outra questão. Quanto à terceira, são poucas as alternativas: o nada do materialismo ou o universo espiritual das doutrinas religiosas. A escolha é sua, inclusive valendo-se da faculdade do livre arbítrio, que a filosofia insiste em nos conceder para nos diferenciar das demais criaturas da fauna global.
Há quem julgue que assim como a história não faz sentido sem a pré-história, também essa não tem qualquer sentido sem a biologia. Em síntese, por mais contrassenso que possa parecer, vivemos num mundo eminentemente biológico, que pela nossa consciência, também forjada biologicamente, nos concede mais responsabilidades do que gostaríamos de assumir e menos privilégios do que supomos ter direito. Duas leis da biologia definem nossos contornos: todas as formas vivas e processos biológicos obedecem às leis da física e da química e, até prova em contrário, todas as formas vivas e processos biológicos trilharam o caminho da evolução por meio da seleção natural.
O homem, na história evolutiva, faz parte do grupo de animais sociais, que a exemplo dos cupins, das formigas e das abelhas, evoluiriam, através de gerações, privilegiando a cooperação, a divisão do trabalho, o cuidado com os jovens e, mesmo não se assumindo eugenia, favorecendo a reprodução de alguns indivíduos em detrimento de outros. Algumas diferenças, em relação às outras espécies mencionadas, começando pelas dimensões físicas, tamanho de cérebro, estendendo-se ao domínio da linguagem, comunicação e alfabetização, até o uso de inovação de base tecnológica, foram responsáveis pela enorme distância que hoje nos afasta cada vez mais desses e de outros animais.
A nossa trajetória evolutiva, não sem controvérsias, frise-se, segundo teoria recente, que tem sido professada pelo naturalista Edward O. Wilson, que é professor emérito da Universidade Harvard, deu-se pelo caminho da seleção natural, porém envolvendo vários níveis (multilevel). Essa ideia ele expressou no seu mais recente livro, “The Social Conquest of Earth”, publicado em 2012, pela Liveright Publishing Corporation. Nessa obra, Wilson contradiz a teoria que prega a cooperação entre indivíduos, ou não, conforme proximidade genealógica. Segundo ele, em um nível elevado de organização biológica, grupos competem com grupos, favorecendo características de cooperação social entre membros do mesmo grupo. Em níveis inferiores, membros do mesmo grupo competem uns com os outros, sempre em busca do benefício individual. Do confronto entre esses dois níveis de seleção natural, por exemplo, resulta que, geneticamente, somos uma quimera. Temos, assim, uma parte “santa” e uma parte “pecadora”, que são indissociáveis.
Pelo jeito, só nos resta chorar junto com o velho ancestral, pois quer seja pelo caminho da evolução (que parece ser o mais plausível) ou pelo mito da criação, em que cada um pertencente a determinado credo religioso se acredita parte dos “escolhidos”, estamos condenados a viver o eterno conflito de nos julgarmos os superiores.

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