Entre os anos de 1999-2006 minha vida ficou completamente determinada pelo ritmo frenético de trabalho do serviço médico pré-hospitalar (Samur). Era preciso consolidar o negócio. A imersão a que fui submetido roubou muitas coisas de mim e de minha família. Havia, nessa época, duas Passo Fundo que não me eram permitidas: a da vida noturna (boates e bares abriam e fechavam as portas e eu nem ficava sabendo) e a dos horários comerciais (eu não tinha tempo para folgar nas manhãs ou tardes da semana). Um dos meus sonhos era conversar com pessoas sobre assuntos que não fossem doenças. Queria abordar alguém na rua e perguntar de seus sonhos e planos – comprar algo, ir jantar? Não foi somente uma vez que fui a festinhas de meus filhos usando o macacão de serviço e nem somente uma vez que dormi sentado em bailes ou jantares com minha mulher, por absoluto cansaço.
A vida é assim muitas vezes, de correria sem fim. E eu queria dividir um relato que vi no face. É sobre um sobrevivente de um desastre aéreo em 2010. Enquanto o avião caía o cara pensou três coisas a que eu me permito estender. O primeiro pensamento foi que ele estava morrendo e ele, até então, pensava que sua vida era eterna. Ele, como todos, foi jogando a concretização dos planos para quando tivesse 30, 40, 50, 60 anos como se dispusesse da certeza de tempo de existência. Sua existência estava findando e muito ficou para ser realizado, que merda. Também ocorreu foi que sua vida era uma adega de vinhos velhos, empoeirados e guardados. Sim, em sua vida, sem perceber, guardara a sete chaves os melhores vinhos, não bebera com seus amigos. Nas nossas vidas esquecemos de oferecer o nosso melhor, guardamos em prateleiras os melhores abraços, sorrisos, sentimentos. Guardamos não se sabe bem para quê. Ocultamos o melhor e exibimos o mais ou menos. E o terceiro insight foi que a única coisa que importava de verdade era ver seus filhos crescerem e ele percebia a rapidez do desenvolvimento das crianças quase no anonimato, quase na coadjuvância. O avião em queda pousou nas águas do Rio Hudson e o Criador dera uma chance aquele cara. Do acontecido aprendeu e quer dividir que o amanhã é somente uma possibilidade e que é preciso viver intensamente; que a participação ativa nos caminhos dos filhos, muito além da jactância é obrigação.
A grande verdade é que não é preciso que haja um desastre em nossas vidas para correção de rumos. Continuo sem conhecer as noites de Passo Fundo, mas é por pura preguiça ou pelo peso da idade e o macacão azul do Samur foi aposentado.
Nas nossas vidas esquecemos de oferecer o nosso melhor, guardamos em prateleiras os melhores abraços, sorrisos, sentimentos. Guardamos não se sabe bem para quê. Ocultamos o melhor e exibimos o mais ou menos.