Os atrasos de repasses estaduais, principalmente os relacionados a programas de incentivo, têm prejudicado o funcionamento de hospitais em toda a região. A situação ainda é agravada pela defasagem da tabela de repasses do Sistema Único de Saúde (SUS) que paga valores muito inferiores aos necessários para determinados procedimentos. Enquanto alguns hospitais já chegaram a diminuir atendimentos, em Passo Fundo, conforme Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos em Serviços de Saúde de Passo Fundo e Região (SindiSaúde) relatos de trabalhadores da área demonstram que já é sensível um aumento da demanda excedente da região.
A situação não é exclusividade. A Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes, Religiosos e Filantrópicos do Rio Grande do Sul aponta que essas instituições passam por um processo de subfinanciamento histórico da tabela SUS, descontinuidade de programas de governo e falta de investimentos no âmbito do Governo Federal.
No âmbito Estadual, não cumpre-se a lei que indica a aplicação de 12% das receitas líquidas de impostos e transferências na área da saúde, há cortes no orçamento (em 2015 foram menos R$ 300 milhões para a rede). Neste ano, programas que são executados pelos hospitais não foram pagos (R$ 144 milhões de dívidas do Governo com as santas casas) e não se cumpre um calendário de pagamentos.
A situação não tem indicativos de melhoria, quando, segundo informações do próprio Governo Estadual, não há nenhuma previsão de regularização desses repasses em atraso, logo, não há expectativa de reversão do quadro no curto prazo, de acordo com dados da Federação. A entidade representativa aponta ainda que a estrutura da rede já vem diminuindo. A única alternativa que resta aos hospitais neste momento é a readequação da estrutura, corte de pessoal e de atendimentos.
Dados da pesquisa realizada pela Federação de janeiro a abril deste ano:
35% dos hospitais já demitiram;
71% estão com honorários médicos atrasados;
43% estão com salários atrasados;
16% reduziram o número de internações;
11% diminuíram os atendimentos ambulatoriais.
Hospital de Carazinho
O Hospital de Caridade de Carazinho (HCC) é um exemplo de instituição regional que sofre com as condições dos repasses atuais. Conforme o administrador Felipe Sohne a principal dificuldade é a de manter os pagamentos a fornecedores de materiais, medicamentos e insumos. “Faltam recursos de custeio para os hospitais. A defasagem na remuneração das Tabelas de Procedimentos do SUS atualmente gera um ressarcimento médio de menos de R$ 70,00 reais para cada R$ 100,00 reais gastos no atendimento aos usuários. A falta de recursos acarreta o aumento do endividamento do HCC, repercutindo diretamente com o atraso do pagamento de fornecedores, honorários médicos e tributos federais”, relata.
Os atrasos principais são referentes ao pagamento dos programas de incentivos do Estado aos hospitais beneficentes e santas casas, considerando as mesmas bases da Portaria 524/2015 no valor mensal de R$ 256 mil reais, referente aos primeiros quatro meses do ano de 2016, que acumulam o montante de R$ 1,024 milhão. Referente ao Governo Federal, não há atraso nos repasses, porém há a defasagem da tabela do SUS.
Conforme Sohne, qualquer diminuição de atendimentos que se faça irá refletir diretamente na população e não é isto que o HCC espera fazer. “O que esperamos é que o Governo do Estado tenha sensibilidade suficiente para entender a situação e consiga alocar os recursos para o pagamento dos valores atrasados. Este é um assunto que está na pauta diária da diretoria do HCC e que vem tentando juntamente com e administração e funcionários, encontrar algumas saídas para este problema”, acrescenta.
Várias medidas para cortes de gastos já foram tomadas, bem como para a geração de novas receitas. Ainda no ano passado ocorreu o fechamento de leitos e encerramentos de contratos de trabalho de mais de 40 trabalhadores. Além disso, a diminuição do tempo de permanência do paciente SUS, cortes de horas extras e também uma tentativa de sensibilização dos profissionais do corpo médico do HCC.
HSVP
No Hospital São Vicente de Paulo (HSVP) a situação também não é positiva. Faltam recursos financeiros, há dívidas com os bancos, cortes nos investimentos, sucateamento em tecnologia, atrasos nos pagamentos aos fornecedores e risco na qualidade assistencial. Conforme o administrador Ilário De David, desde janeiro de 2015 há cortes de recursos aos hospitais pelos governos federal e estadual, além de atrasos nos pagamentos às instituições que atendem ao SUS. “A cada dia, os hospitais estão perdendo a sua capacidade operacional”, observa.
Ilário explica que os hospitais filantrópicos atendem 70% da população gaúcha, sendo que o SUS cobre em média menos que 60% dos custos desses atendimentos médicos hospitalares. “Esse cenário mostra claramente o porque os hospitais estão quebrando economicamente. A população deve sim ficar apreensiva, porque está vendo um patrimônio (rede hospitalar), construída há séculos pela comunidade, perdendo sua capacidade operacional, com consequências no aumento da desassistência das pessoas em relação à saúde”, reforça. De acordo com ele já há diminuição dos atendimentos, em todas as regiões. “Lamentavelmente, a precarização dos atendimentos é uma consequência natural. Se não forem tomadas as medidas urgentes em socorro financeiro, veremos daqui para frente todas as semanas fechamento de hospitais e diminuição de leitos do sistema público de saúde”, alerta sobre a gravidade da situação.
Uma situação regional
A presidente do SindiSaúde Terezinha Perissinotto explica que a situação não é pontual de um ou outro hospital. De forma geral há prejuízos. Algumas situações mais graves são registradas em Lagoa Vermelha, Não-Me-Toque, Palmeira das Missões e Soledade. “Temos vários hospitais em situação de calamidade”, alerta. Em Palmeira das Missões, por exemplo, houve uma mobilização dos funcionários pedindo melhores condições. “Decidimos não fazer greve, porque se fechar aquele hospital não abre mais, por várias razões”, explica destacando que o hospital tem recebido menos da metade do que deveria receber mensalmente.
Os recentes pronunciamentos do ministro da Saúde, Ricardo Barros, aumentam ainda mais a aflição de quem atua no setor. “Não olhamos só o lado do trabalhador, estamos olhando o lado do usuário, já temos fila nas emergências, precário atendimento na rede básica e se reduzir ainda mais as pessoas não terão onde buscar socorro. Os funcionários estão padecendo”, lamenta a representante.
Terezinha cita exemplo de hospital em Passo Fundo com déficit de mais de R$ 5 milhões, mas que precisa dar conta de atender um sensível aumento da demanda em função da precarização dos hospitais da região. Ela destaca que conforme o relato de trabalhadores o aumento é percebido no dia-a-dia de trabalho.
Aumento da pressão em Passo Fundo
O administrador do Hospital da Cidade (HC) e Hospital Psiquiátrico Bezerra de Menezes, Luciney Bohrer, explica que por Passo Fundo ser um polo de saúde muitos pacientes recorrem ao município e isso estrangula o fluxo de atendimento. Além disso, como o governo do Estado não tem um cronograma de pagamento, há dificuldades para manter ações de planejamento dos hospitais. Desde janeiro o HC não recebe valores referentes à complementação dos programas de incentivo.
Bohrer explica que os hospitais são prestadores de serviço do SUS e embora não sejam responsáveis pela gestão do Sistema, são fundamentais para a realização das ações. “Não temos como continuar com os hospitais bancando essas diferenças, certamente os hospitais terão de se ajustar ao proposto pelo governo, prestar atendimentos conforme o previsto. Se o governo do Estado diminuir valores vai diminuir o acesso à população”, explica sobre as dificuldades enfrentadas.
Último pagamento
Entre os dias 12 e 13 de maio os hospitais receberam valores atrasados referentes à produção que representa RS 140 milhões. O assessor técnico da Área de Saúde da Famurs, Paulo Azeredo, explica que ainda permanecem em atraso os incentivos estaduais. Para ele, neste período os hospitais precisam reorganizar as formas de gestão para poderem continuar mantendo os atendimentos. Ele destaca que a situação afeta também as prefeituras que acabam aportando muitos recursos para os hospitais para garantir a manutenção dos atendimentos à população. Enquanto isso, os repasses para os municípios para a manutenção de programas de saúde também permanecem atrasados desde maio de 2014. Isso representa mais de R$ 290 milhões dos quais foram pagos até agora apenas R$ 48 milhões.