Não fosse pelo cartaz preso no alto do portão principal, com letras garrafais anunciando a ocupação, quem passa em frente à Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Eulina Braga, na vila Annes, fundos da prefeitura, confundiria a movimentação de protesto com uma reforma no educandário. Responsável pela primeira ocupação de escolas em Passo Fundo, desde que iniciou a greve do magistério, o grupo, formado por 20 estudantes, decidiu agir. Enquanto reivindicam por uma série de melhorias no ensino, incluindo as questões de infraestrutura, eles aproveitam o tempo realizando pequenos reparos no prédio.
Em dez dias de ocupação (completados na quarta-feira), já pintaram as portas dos banheiros, a marcação da quadra esportiva, parte do piso no saguão, grades, bancos e pilares. Um pequeno espaço de terra, ao lado do portão de entrada, também recebeu atenção especial dos estudantes. Quando a reportagem chegou à escola, na terça-feira à tarde, um grupo estava lavando todo o pátio e a calçada em frente à rua. Líder do movimento, Leonardo Menezes, 16 anos, interrompe o trabalho por alguns instantes para contar como tem sido a experiência. Aluno do 2º ano do ensino médio, e presidente do Grêmio Estudantil, o jovem, de frases curtas e objetivas, disse que a ocupação no Eulina Braga virou uma espécie de ‘central’, das outras oito ocupações em Passo Fundo.
Além de ser a pioneira, o movimento assumiu esta condição em razão da organização. Divididos em 10 meninas e 10 meninas, eles transitam por cinco salas do prédio. As demais dependências estão fechadas. Conforme Leonardo, as atividades do dia são previamente definidas a partir de uma escala de serviço fixada em uma das paredes do pátio. Nela, estão incluídos os horários para quem cuida do portão de entrada, da cozinha, dos banheiros e do salão. Desde o início da ocupação, apenas professores que apoiam o movimento, e familiares, têm acesso ao educandário.
“Na reunião realizada à noite, já fica acertada a atividade que cada um de nós fará no dia seguinte”, diz Leornardo. Desde o início do protesto, ele levanta por volta das 6h. Com a ajuda de um colega, prepara o café, servido cerca de uma hora depois, para o restante da turma.
Concentrado em sua tarefa, o estudante Bruno de Oliveira, 16 anos, era o responsável pela pintura dos pilares do prédio, no pátio. A tinta havia sido comprada com dinheiro do Grêmio Estudantil e doação da comunidade. Empregado há quatro meses em uma padaria, ele decidiu deixar o emprego para se juntar aos demais colegas. Há 10 anos estudando no Eulina Braga, afirma que o protesto está ajudando a mudar a visão que parte da sociedade tem em relação ao educandário. “Lá fora sempre ouço falar que nossa escola é de marginais, que aqui só tem briga e coisas deste tipo. Estamos mostrando o contrário” comenta.
Ex-atleta do clube amador Vila Nova, Bruno chegou a fazer parte da delegação que viajou à França, para disputa de uma competição internacional. Após ter realizado o curso de retifica de motor, oferecido pelo Senai no período de dois anos, o sonho em jogar futebol foi ficando em segundo plano. “Ainda jogo bola, mas pretendo ser engenheiro mecânico” afirma.
Sobre a participação na ocupação, o jovem está confiante na conquista das reivindicações e diz que a iniciativa servirá de exemplo para as futuras gerações. “Estamos deixando uma história, mudando a cara da escola. Tudo isso vale muito a pena porque no futuro gostaria que meu filho estudasse aqui” completa. Integrando o grupo desde o início da ocupação, a colega de Bruno, Fernanda Morais Amado, 12 anos, compartilha da mesma opinião, e comenta sobre a experiência da coletividade. “Encontramos algumas dificuldades, mas precisamos de força. Sabemos o que estamos fazendo” enfatiza.
Apoio
Para se manter na escola, o grupo conta com o apoio de alguns professores e dos próprios pais. Eles se revezam nos turnos da manhã, tarde e noite, para que os menores nunca fiquem sem a companhia de um adulto na ocupação. Também são encarregados pelos alimentos e gêneros de primeira necessidade. Mãe do líder Leonardo, Marília Menezes, 33 anos, é uma das colaboradoras. Desde o início da ocupação a doméstica teve de alterar sua rotina para estar perto do filho e auxiliar o grupo. Ela assume o turno no início da tarde e fica até por volta de meia-noite. Entre suas tarefas está o preparo do jantar para os estudantes.
“Sinto orgulho em saber que meu filho está lutando por algo tão importante como a educação. Na minha época a gente não tinha este apoio dos pais. Acompanhamos tudo, estamos sempre por perto. Muitos criticam, dizendo que os filhos foram largados na escola. É só dar um pulo aqui e conferir que a realidade é outra. Não arredamos o pé” afirma, enquanto prepara uma panela com salsicha e molho de cachorro-quente.
Para acompanhar a movimentação nas outras escolas, as lideranças trocam informações através do aplicativo WatsApp no grupo 'Ocupa Tudo Rio Grande do Sul'. “Estamos sempre em contato. Um ajuda ao outro. Ainda hoje (terça-feira) encaminhamos duas caixas de leite daqui para outra escola” diz Leonardo. O jovem afirma que o movimento será mantido até que a 7ª CRE assuma o compromisso de levar adiante a pauta de reivindicações. Além da reforma no prédio da escola, os alunos defendem por melhorias nos salários dos professores, e contra o processo de privatização do ensino público.