OPINIÃO

Inteligência e estupidez

Por
· 2 min de leitura
Você prefere ouvir essa matéria?
A- A+

Não sei se é possível explicar, mas, de qualquer forma, também não custa nada tentar entender um pouco melhor por que pessoas supostamente inteligentes acreditam em coisas estúpidas. Incluam-se nesse rol, à guisa de exemplo apenas, desde contatos com alienígenas, passando por teorias conspiratórias (Yo no creo en las brujas, pero que las hay, las hay), pelo poder dos gurus dos livros de auto-ajuda, pelo desempenho excepcional das dietas de celebridades até na capacidade praticamente milagrosa de certos tratamentos (ditos alternativos) na cura de algumas enfermidades de difícil controle.

Uma das razões, e quem sabe a principal, pois muito do sucesso de certas falácias começa por aqui, é a nossa incapacidade de interpretar adequadamente dados estatísticos e informações. Isso se ressalta especialmente quando o processo de interpretação de evidências, que deveria ter sido construído nos primeiros anos do ensino básico, é negligenciado, vindo a comprometer futuramente a capacidade de entendimento do método científico e, consequentemente, de todo o processo de geração do conhecimento, mesmo por aqueles com passagens por cursos universitários e programas de pós-graduação.

Bem Goldacre, médico e escritor científico, que assina, desde 2003, a coluna “Bad Science”, no The Guardian, e é autor do livro “Bad science: quacks, hacks, and big pharma flacks”, insiste na responsabilidade dos veículos de comunicação, involuntária ou deliberada, criando manchetes sensacionalistas, para atrair público, na desinformação e crenças em coisas estúpidas, que graçam mesmo em sociedades educacional e economicamente evoluídas como a europeia. Destacou o fascínio dos jornalistas por números de magnitudes vultosas, que nem sempre são entendidos na sua plenitude por alguns desses profissionais, servindo criar celeumas que não existem ou realçar o desempenho de coisas que não resistem a um maior criticismo. É dele o exemplo de uso de números para dramatizar situações, quando a opção é feita, preferencialmente, pela taxa de aumento do risco relativo em vez de aumento de risco absoluto. Usou para ilustrar, suponho que os dados são fictícios, pois tratou a situação hipoteticamente, o caso da informação do risco ser 50% maior de alguém ter um ataque cardíaco, quando na faixa dos 50 anos e colesterol elevado. Isso é, no mínimo, assustador. Mas, também se poderia dizer, para alguém nessa mesma situação, que o risco extra de ter um ataque cardíaco é de 2%, em relação aos supostos com colesterol normal. O que não pareceria de todo mau, para qualquer gaúcho apreciador de churrasco gordo. Os números, nesse caso, frise-se mais uma vez, fictícios e meramente explicatórios, são derivados de uma amostra populacional tipo a que segue: tome-se 100 homens, entre 50 e 60 anos, com colesterol normal, esperando-se que 4 deles tenham um ataque cardíaco. Noutros 100 homens, dessa mesma faixa etária, porém com colesterol elevado, a expectativa é de que 6 deles tenham um ataque cardíaco.Ou seja: 2 ataques cardíacos extras na população com colesterol elevado. Em resumo: 2 ataques cardíacos adicionais, em relação aos 4 esperados, é o propalado risco 50% maior na segunda população. Uma mera questão de se tratar o crescimento de risco em escala relativa (50%) ou absoluta (2%). Consulte um cardiologista e faça a sua escolha, sugere-se. Pelo andar da carruagem e a nossa dificuldade em lidar com números, ainda não se cumpriu a “profecia” de H.G. Wells, que, faz mais de 100 anos, andou escrevendo que o pensamento estatístico um dia, na sociedade tecnológica moderna, seria tão importante quanto a habilidade de ler e escrever.

Reforça-se, nesses e em tantos outros casos, o papel dos veículos de comunicação na compreensão pública da ciência e, por consequência, na redução da estupidez humana. 

Gostou? Compartilhe