Metódico, o meu dia somente inicia após o banho e café da manhã. Sou de maio e, conservadoramente, não aventuro. Mesmos bares, mesma mulher há mais de trinta anos. Dizem que ser conservador é uma característica do signo de touro; outra é não acreditar em horóscopo e nós de touro definitivamente não acreditamos em horóscopo.
Ao retocar a barba fiquei pensando em um encontro com o Criador. Queria questioná-lo em relação a fazer a barba e sobre menstruação. Perguntaria: por que os homens têm que se barbear diariamente e as mulheres têm que menstruar? Imagino-o pacientemente coçando o queixo e movendo delicadamente sua cabeça para cima e para abaixo. Diria: Jorge, meu inteligente menino, não havia pensado sobre isso. Vou baixar uma lei chamada Jorge Anunciação que deliberará que a partir desse momento as mulheres se barbearão e os homens menstruarão. Não, não, não...deixa assim, deixa quieto, tá bão.
Ora, tem lei para todos no Brasil: lei Pelé, lei de Gerson, lei Kandir, lei Rouanet, layout...Quero uma lei com meu nome.
Recebi a incumbência do Dr Paulo Mesquita, também cirurgião geral, para montar uma aula sobre os avanços da cirurgia nos últimos quarenta anos. Há muito a ser comentado. Sou ainda bebedor dos conhecimentos dos grandes cirurgiões que foram meus professores: Drs. Madalosso, Mesquita, Errol, Bortolini, Gilberto Oliveira, Aiglon Simas, Albino Gazzoni, Gilberto Tubino e Roberto Camozzato. Muita coisa mudou: tecnologia, relacionamentos, indicações de procedimentos, técnicas, investigação, farmacologia. Conversava sobre isso com o mestre Júlio Teixeira, um pouco mais veterano, a quem devo agradecimentos pelo carinho, amizade e ensinamentos. Se eu pudesse inscrever meu nome em alguma lei, seria a lei do interesse e respeito. Falávamos que alguns médicos mais jovens são dotados de irreverência que, muitas vezes desliza para o desrespeito aos mais antigos. Irreverência é o que tem Lauro Quadros (jornalista esportivo) com classe; é o que tinha Dercy Gonçalves (cantora) e Araci de Almeida (intelectual e cantora). Araci, filha de pai pastor evangélico, conhecia a bíblia de cabo-a-rabo, como referia. Irreverentemente perguntava aos jornalistas: já lestes o Eclesiastes? O Eclesiastes é do caralho. E, convenhamos, caralho não é palavrão. Palavrão é homicídio, palavrão é fome, palavrão é miséria, palavrão é descaso, palavrão é abandono, palavrão é passar frio, palavrão é impunidade.
Eu criaria a lei sobre “muitos são os chamados, poucos os escolhidos”. Para ser médico é preciso, pelo menos, gostar de gente e gostar de atender gente. Quem procura um médico não procura porque gosta, procura porque precisa. Muitos “entram” na Medicina, no entanto, a Medicina não entra em todos. Medicina humana, a que aprendi com o Dr Júlio e outros mestres, é do caralho.