“Viver não é necessário; o que é necessário é criar; não conto gozar minha vida, nem em gozá-la penso. Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a minha alma a lenha desse fogo. Só quero torná-la de toda a humanidade; ainda que para isso tenha de a perder como minha. Cada vez mais assim penso. Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir para a evolução da humanidade” – Fernando Pessoa.
O poema acima se baseia em navegadores antigos e remete a Pompeu que, em perigos da navegação, não titubeou em levar provisões à Roma que passava fome. Diante de uma tempestade que se aproximava Pompeu ordenou a navegação “navigare necesse, vivere non necesse”.
Clóvis de Barros Filho, filósofo da USP, conta que sua filha, então com 4 anos, padecia de uma enfermidade viral em uma CTI de São Paulo. Clóvis implorou ao Criador para assumir o lugar da filha porque acabara de perceber que há algo maior que a própria vida. Maior que nossas vidas está a felicidade e o bem-estar dos nossos familiares.
Mesmo antes de Pompeu os gregos, sem qualquer tecnologia, tão abundante na época atual, se perguntavam sobre o sentido da existência. O que é a vida, afinal? Qual é o objetivo de viver e morrer? Isso tem quase três mil anos e, veja bem, o progresso da ciência não conseguiu, até agora, a resposta dessa inquietação. Continuamos ignorantes. É que a resposta do real sentido da vida habita o nosso interior. A vida, como presente do Criador, é uma espécie de empréstimo, um comodato para que cuidemos com o melhor dos cuidados possíveis. A gente pode cuidar melhor dela, a gente deve cuidar melhor dela. Cuidar da vida é ter orgulho do que se pode produzir em benefícios a outros, principalmente aos que dependem da gente.
Ontem mesmo, reunidos com meus filhos, minha mulher e Alana (namorada de Ramon), em ambiente de pura harmonia e amor percebi que minha vida só se justifica plenamente por essa conquista, a de promover momentos eternos de felicidade dentro de minha própria casa. E, isso me fez lembrar Fernando Pessoa e Caetano Veloso, cuja música que intitula essa crônica, mesmo antes da confraternização familiar, insistiu em me visitar minha memória como se fosse uma espécie de inspiração. Quando a gente consegue encaminhar os filhos a navegação, muitas vezes em mares revoltos, está justificada. Navegar é preciso; viver, talvez nem tanto.