OPINIÃO

A profissionalização da ciência

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Uma profissão como outra qualquer mais do que uma vocação é o que define a prática cientifica atualmente, cujas jornadas de trabalho e tipos de atividade são positivados nos planos de carreira de universidades ou de institutos de pesquisa, tanto públicos quanto privados. E é essa particularidade (profissão) que confere à carreira cientifica todas as idiossincrasias inerentes às disputas pessoais por cargos, promoções, bolsas de produtividade e financiamento de projetos de pesquisa, que se materializam, internacionalmente, na politica do “publish or perish” (publicar ou perecer) que, já faz alguns anos, tem tomado de assalto à comunidade científica, revelando o outro lado da ciência que não é perceptível, inclusive, muitas vezes, nem pelos próprios atores envolvidos.

A New Scientist, edição de 16 de abril de 2016, trouxe para o debate o instigante artigo da jornalista britânica Sonia van Gilder Cooke, “Why so much science research is flawed – and what to do about it”, que chamou a atenção para o problema da grande quantidade de resultados de pesquisa que, embora oriundos de trabalhos publicados em prestimosas revistas científicas, não são transformáveis em inovações tecnológicas úteis ou, quando efetivamente testados, não são comprováveis, significando mais desperdício de recursos do que qualquer outra coisa. Afinal, por que isso acontece? É possível mudar? Que pode e deve ser feito?

Deixando de lado as falsificações de dados, deliberadamente fraudulentas por motivações espúrias, há espaço para melhoria na pratica cientifica, que, se não acabar com o problema de vez, pelo menos pode reduzi-lo a níveis ínfimos, conforme a proposta de John P. A. Ioannidis, do Meta-Research Innovation Center, da Standford University, incluída no artigo “How to Make More Published Research True”, publicado na PLOS Medicine, edição de 21 de outubro de 2014.

Diante dos fatos (ou de alguns fatos), a crença na suposta imparcialidade da ciência tem sido questionada. John P. A. Ioannidis propõe algumas praticas para a comunidade científica que, se aceitas, podem ajudar a melhorar o desempenho na geração/publicação de resultados de pesquisa. São elas: pesquisa colaborativa em grande escala; adoção da cultura da repetição; registros abertos (open data) da pesquisa (protocolos, análises, resultados, etc.); adoção de práticas reproduzíveis; eliminação do conflito de interesses entre os financiadores da pesquisa e os autores; uso de métodos estatísticos apropriados; padronização de definições e análises; níveis mais rigorosos para a reinvindicação de descobertas originais; melhoria dos delineamentos experimentais; melhoria do processo de revisão por pares e de disseminação de informações; e melhor treinamento em ciência, tanto dos próprios cientistas quanto dos assistentes de pesquisa.

Independente da adoção ou não, de forma parcial ou plena, das sugestões de John P. A. Ioannidis, a comunidade científica, tanto da esfera pública quanto privada, vai continuar pesquisando, capitando financiamento para projetos e produzindo artigos que, não raro, não levam a qualquer avanço palpável do conhecimento ou são geradores de novas tecnologias úteis. Isso faz parte da incerteza associada ao processo cujo alvo é a busca do desconhecido. É um tipo de custo indireto, que aumenta ou diminui, com a qualidade da prática científica.

A tendenciosidade, mesmo inconsciente, parece ser inerente à pesquisa cientifica. Não são raros: a busca de confirmação e não de rejeição de hipóteses; a mudança de hipótese para explicar resultados não esperados; parar experimentos quando os dados mostram o que se quer mostrar; exclusão de dados não conformes com o senso comum; uso de diferentes testes estatísticos até obter significância dos resultados e ampliar a coleta de dados até que os resultados não significativos virem significativos; por exemplo.

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