Qual sua história de leitura? Quais são os livros e as pessoas que lhe marcaram? Com quem você compartilhou suas leituras? Quem é a pessoa especial que habita em sua memória leitora?
Compartilhar a leitura de um livro é como compartilhar um pedaço de si. É um exercício de troca e de carinho. Não posso deixar de recordar uma das leituras mais deliciosas de minha vida, porque a fiz compartilhando com meu avô materno, Edmundo Cardoso, durante minha adolescência.
Um dia, meu avô me contou que estava lendo “As Brumas de Avalon”, de Marion Zimmer Bradley, e que estava achando interessante o ponto de vista da autora. Ofereceu-me o primeiro de quatro volumes para ler e disse que me emprestaria os outros à medida que fosse terminando. De todas as pessoas que o rodeavam era a mim que ele tinha escolhido como“parceira” de leitura. À medida que nossa leitura avançava, conversávamos sobre a trama, as personagens e nossas impressões a respeito da obra. “Seu Cardoso” me apresentava, com muito afeto, uma obra feminista. Eu, sempre tão caçula, sempre tão pequena, sempre tão por último, me sentia grande e importante. Meu avô me contou sobre as Lendas do Rei Arthur, que ele conhecia de infância e sobre seu grande interesse nas histórias das Ilhas Britânicas. Quando fiquei sabendo, já adulta, que o nome de meu avô foi escolhido por meu bisavô em homenagem a Edmond Dantes, personagem da novela “O Conde de Monte Cristo”, fui buscar um pouco do meu Edmundo na leitura do que hoje é considerada uma novela juvenil. Também encontrei o rosto dos injustiçados em Dantes.
Na imensa teia carregada de sentido que é a leitura em nossas vidas, tempo e dever ocupam uma posição menor, em segundo ou terceiro plano. O que mais importa não é se já deveriamos ter lido determinada obra ou se o mundo acadêmico julga que não vale a pena ler alguma outra. O fator essencial e determinante é o quanto de nós e dos outros vamos encontrar na leitura. Quanto mais nos sentirmos parte do que nos rodeia, mais abrangente será este universo que trazemos dentro de nós, mais facetas humanas ele vai conseguir comportar. Mais retornos, resgates, transformações e reconciliações ele vai ser capaz de promover. E assim seremos capazes de construir pontes de leitura.
Nossas pontes não devem ter data nem lugar determinados para serem construídas; algumas delas até já existem, só precisam ser terminadas. O importante é que por elas passam e passarão nossos desejos, sonhos, anseios, questionamentos e lembranças. O importante é que, junto às leituras que cruzam as pontes, estão também as pessoas que dividiram um pouco de si conosco. E, por isso, só por isso, compartilhar a leitura com alguém já é um grande e doce presente.