Nunca imaginei que, no sábado passado (10), depois de uma entrada casual na Livraria Nobel da General Osório, eu sairia daquele estabelecimento levando para casa um livro sobre autismo. E menos ainda que, uma vez iniciada a leitura dessa obra, seguiria, desde a primeira capa, ininterruptamente, até a quarta capa. Mas, evidentemente, há uma explicação para isso. Retomemos: entrei na Livraria Nobel, cumprimentei protocolarmente os proprietários, Laura e Alcides, olhei, como de costume, alguns livros, e a conversa seguiu, invariavelmente sobre livros e autores do momento, Feira do Livro, etc. e eis que a Laura surgiu com um livro na mão e perguntou: conheces esse livro? Respondi que não. E ela insistiu: então dá uma olhada.
E foi assim que conheci a obra “Mariana no mundo dos saltisonhos: umas palavras do autismo”, de Marco A. B. e C. Machado, edições SALUZ (Editora IFIBE), publicada em Passo Fundo, em julho de 2016. Uma primeira olhada, seguida de elogios fáceis ao projeto gráfico do Diego Ecker e, iniciada a leitura, eis que surgiu a primeira surpresa: que livro bem escrito! A qualidade do texto, independente de motivação e do próprio conteúdo, captura o leitor. Marco A. B. e C. Machado, sem qualquer dúvida, possuem o domínio da língua portuguesa e sabem escrever bem, mas, muito provavelmente, não seja apenas esse o lado mais cativante do livro. Não foi, acredito, com técnicas de escrita forjadas em oficinas de criação literária que Marco A. B. e C. Machado produziram essa obra. Eu suponho que, se tratando de algo tão pessoal, uma vez que baseado nas vivências dos autores, usaram, incondicionalmente, o amor de pais para produzir resultado tão primoroso. No texto não encontramos apenas palavras e frases concatenando parágrafos. Nas páginas desse livro, sobressaem-se, acima de qualquer outra coisa, emoções.
O livro “Mariana no mundo dos saltisonhos: umas palavras do autismo” não é um tratado da área médica sobre autismo, ainda que, de forma aparentemente despretensiosa (e apenas aparente, frise-se), apareçam, no texto, citações e sejam feitas referências as principais obras técnicas sobre o tema. Aprende-se, com Marco A. B. e C. Machado, que “autismo” ou TEA, sigla de Transtorno do Espectro Autista, conforme a definição clássica do DSM-5 (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), pode ser diagnosticado quando há um distúrbio neurológico acompanhado do comprometimento da interação social e da comunicação, assim como também de um comportamento restrito e repetitivo. Ainda que a intenção dos autores não tenha sido produzir um manual sobre o autismo, nos ensinam que o rótulo “autista” diz pouco sobre o portador do autismo, pois o grau varia desde casos de dependência extrema até aqueles em que o paciente pode demonstrar apenas algumas manias estranhas.
Marco A. B. e C. Machado deixam lições de sensibilidade apurada nos relatos de convivência com Mariana, uma garotinha de oito anos, portadora de um autismo muito leve, mas que, nos seus medos de aniversário, balão, foguete, cachorro e pelo comportamento repetitivo e inflexível, ora pode se comportar como uma adorável princesinha e ora como um verdadeiro bárbaro.
Acima de tudo, Marco A. B. e C. Machado, pelos relatos de experiências vivenciadas, nos ensinam a conviver com os diferentes, independentemente que esses sejam portadores de autismo ou não. E é por isso que eu entendo que a leitura descomprometida desse livro nos torna melhor para a convivência em uma sociedade cada vez mais plural, onde o respeito à diversidade é cada vez mais imprescindível.
Evidentemente que, por razões de privacidade, os autores usaram pseudônimos. Um dia, Mariana, e não importa qual seja o seu verdadeiro nome, poderá decidir livremente em dar ou não publicidade ao seu caso. Os nomes nesse livro são apenas detalhes. O conteúdo é o relevante. Marco A. B., que havia estreado em elogiado livro de crônicas em 2011, reafirma-se, nessa nova obra, como um escritor de escol.
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