A súbita e sofrida morte de Domingos Montagner faz pensar, ainda uma vez, no imponderável. Sempre imagino que vivemos uma louca e desvairada aventura, como se caminhássemos sobre uma mureta há trinta metros de altura e que, a qualquer vento mais forte, despencaremos. É uma fração de segundos, um olhar rápido ao celular enquanto dirigimos. Dia desses alguém contou que caminhava despreocupadamente pela Avenida Brasil e, sem mais ou menos, caiu a centímetros de sua cabeça um balde cheio de cimento de um prédio em construção. Veja, que loucura.
Nós, da área da saúde, principalmente os que trabalham em emergências, acostumamos a presenciar tragédias, como a do cidadão atropelado na mesma avenida enquanto bicicletava. E, passamos a vivenciar a certeza da fragilidade de nossas existências que pode até ser durável, mas teima em causar sofrimentos aos que ficam a prantear perdas inesperadas.
Diante das tragédias é preciso que retiremos algumas lições. Uma delas é que os planos de nossas vidas pessoais não deveriam ser de longos prazos, mesmo porque nem sabemos se o prazo nos será disposto. Assim, por exemplo, ao invés de desejarmos somente o título do campeonato porque a gente não deveria comemorar cada vitória como fosse definitiva? Está na Bíblia – não se preocupe com o dia de amanhã, cada dia merece teu cuidado. A vida é agora, é hoje, está acontecendo.
Nosso cérebro tem dois hemisférios; um é lógico e faz conta, pesa, pondera e, tal qual um computador oferece a melhor alternativa; outro é mágico, quer festa e a melhor alternativa é o prazer, mesmo por coisas simples. Um hemisfério pode dominar outro. As mulheres que fazem incontáveis compras de botas e bolsas tendem a ser dominadas pelo hemisfério da festa (dionísico). E o homem que somente pensa na grana, em armazená-la sem aproveitar a festa vive o universo lógico (de Apolo), o universo do regramento. Tem gente que sonha em morrer cheio do dinheiro, bacana não? Morrer com os bolsos cheios de grana. Para o cidadão comum morrer rico basta viver como pobre. Como viver como pobre? Corta a Net, corta os cartões, corta os celulares, comida somente por quilo, não comprar roupas, férias nem pensar, filhos somente em colégios e universidades públicas. Com a economia conquistada os bolsos ficarão estufados de dinheiro e, então, milionários poderemos, finalmente, realizar o grande sonho que norteou a vida – morrer ricos.
A morte do ator, em seu momento de protagonista no horário mais nobre da TV deveria ensinar algo mais. Não é a morte de um estranho, á finitude traumática de um cara simpático que entrava tidas as noites na vida de minha mulher e minha sogra e em milhares de outras vidas. Que pena que somente as tragédias estimulem nossas reflexões.
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