Pode-se afirmar, em termos breves, que em uma democracia o poder legislativo representa a sociedade e o poder executivo representa o governo. Nessa lógica, cabe ao poder legislativo, por seus membros, a responsabilidade de discutir e decidir o que deve o poder executivo fazer. O prefeito, portanto, só pode agir de acordo com o que a câmara delibera e as decisões da Câmara são formalizadas por lei. Desta forma, o poder executivo só pode agir confirme a lei, nunca contra ou no silêncio da lei. Presume-se, assim, que o que a Câmara decide, pelo fato de na Câmara a sociedade estar representada pelos vereadores, é o que caracteriza o interesse público, gerando legitimidade ao agir do governo.
As políticas públicas locais, em suas variáveis setoriais (saúde, educação, meio ambiente, infraestrutura, assistência social, direitos humanos, etc.), são as vias para a execução, pelo prefeito, de programas governamentais, cujo conteúdo compõe-se de projetos e atividades conectadas com o atendimento de demandas da sociedade. É certo, contudo, que não há recursos financeiros para que o governo local produza soluções para todas as demandas da cidade e do campo, a fim de gerar ao cidadão plena qualidade de vida, absoluta dignidade e amplo conforto social. O que cabe à Câmara, então? Definir as prioridades. Dos problemas da saúde, quais devem ser atendidos pelos programas governamentais? Dos problemas da educação, quais devem ser atendidos pelos programas governamentais? E assim, nas demais variáveis setoriais.
Os programas governamentais são definidos em três leis, que se constituem no eixo de planejamento das ações de governo: a lei do plano plurianual, com duração de quatro anos (planejamento das ações de médio prazo), a lei das diretrizes orçamentárias, com duração de um ano (planejamento de curso prazo, a partir da lei do plano plurianual) e a lei do orçamento anual, que autoriza a abertura de crédito orçamentário, conforme a receita pública, para as despesas decorrentes das ações já planejadas.
O prefeito é o autor dos projetos dessas leis, devendo encaminhá-los à Câmara para deliberação. Na discussão dessas leis, na Câmara, caberá ao vereador confirmar se os programas sociais, nelas inseridos, pelo prefeito, identificam-se com o querer da sociedade. Em debate com a comunidade, por meio de audiências públicas, a Câmara, pelos vereadores e pela comissão de orçamento, poderá alterar as prioridades indicadas pelo poder executivo, apresentando emenda parlamentar.
É importante, portanto, que os candidatos ao cargo de vereador entendam que, se por um lado, não lhes será admitido, caso eleitos, fazer projeto de lei para construir escola em determinado bairro, será possível, por outro, a apresentação de emenda junto ao projeto de lei do plano plurianual posicionando essa demanda como prioridade a ser atendido pelo governo.
Essa é uma das razões que justifica a mudança de perfil na atividade dos vereadores, pois cada vez mais eles terão que se colocar, junto com seus gabinetes, como interface entre o agir do governo e o querer da sociedade. Quanto mais o candidato a vereador demonstrar capacidade para interpretar as demandas sociais, com critérios claros para posicioná-las como prioridade, mais legitimidade o seu mandato agregará às ações do poder legislativo e do poder executivo. Aliás, esse é um importante critério para a escolha do candidato a vereador.
André Leandro Barbi de Souza, advogado especialista em direito político, diretor do IGAM e autor do livro A Lei, seu Processo de Elaboração e a Democracia.