Quando Roland Barthes (1915-1980), em ensaio antológico de 1968, vaticinou a morte do autor, há quem entenda, não sem controvérsias, que, ao mesmo tempo, ele decretou o nascimento do leitor. Barthes foi taxativo ao concluir: “o nascimento do leitor tem de pagar-se com a morte do autor”. Então autor morto, leitor posto. Não, a questão não é tão simples assim e nem prescinde de uma argumentação teórica um pouco mais robusta.
Entender Barthes e seu ensaio “A morte do autor”, exige retroceder mais além das contestações de quase tudo dos anos 1960, de Paris e as manifestações de 1968. Requer compreensão que a valoração autoral, travestida de prestígio pessoal, se não começou no Renascimento, ganhou força com os artistas que fizeram as famosas obras daquele período, que se expandiu com o romantismo do século 18 e atingiria o ápice com o positivismo, no final do século 19 e começo do século 20. Hoje, como personagem dos tempos modernos e contemporâneos, apesar de Roland Barthes, o autor ainda reina absoluto nos manuais de história da literatura de cunho positivista, nas biografias de escritores, nas entrevistas nos espaços dedicados à literatura nos veículos de comunicação e no imaginário dos fãs que tem a preocupação de juntar pessoa (autor) e obra. Não obstante a relevância de um texto não residir na sua origem (o autor), mas sim no seu destino (o leitor).
Tirar o autor do altar foi o que intentou Roland Barthes. Se conseguiu ou não é outra coisa, valeu a intenção de colocar o leitor no lugar merecido nesse pedestal. Em todos os sentidos, para Barthes, é a linguagem que fala e não o autor, é a linguagem que atua e não o Eu do autor. A ponto de questionar de quem é a voz que fala no texto. A escrita (o texto) significa a destruição de quem escreve. Não é que Barthes negue a existência do autor como ente físico (o homem), mas rejeita a relevância do autor para a interpretação dos signos da linguagem em um texto literário. Apagou a figura do autor em proveito do escritor, que morre ou encerra seu papel quando o texto é posto em circulação. É o leitor, essa nova figura que surge com a morte do autor, que vai dar a um texto as suas múltiplas significações.
Sob a égide do paradigma hermenêutico se busca explicar as idiossincrasias de uma obra em função do homem/autor (das suas peculiaridades pessoais, dos seus pensamentos, dos seus sentimentos, da sua ideologia políticas e também das suas circunstâncias pessoais). A crítica de Barthes recai em refutar os aspectos dogmáticos, dando sentido à morte do autor como morte do sujeito, que rivaliza, em certos aspectos, com a morte de Deus (no sentido sociológico) proclamada por Nietzsche. Uma tendência que teve sequência com os chamados pensadores pós-modernos e suas teses desconstrucionistas, que buscavam desbancar o autor em proveito do leitor.
A negação do autor, ainda que seja legitima como opção ideológica ou estética, é algo indefensável epistemologicamente. Talvez seja hora de reabilitar a figura do autor, reinterpretando o seu papel, buscando recolocá-lo no mesmo plano teórico que o leitor. Inegavelmente, em qualquer texto literário, o autor está implicado. E essa implicação vai desde o estilo, que torna inerente a autoria ao texto. Ainda que esse autor implicado ou implícito seja diferente do autor genético, bem ao estilo criador e criatura.
São muitos os entendimentos de autor. Desde o autor efetivo, aquele que faz (que pode ser diferente do homem e do escritor), que se transmuta no texto enquanto cria, projetando-se nele de forma indireta e implícita (o autor implicado) ou de maneira direta e explícita (o autor representado), passando pelos homólogos de escritor e artista, que dão forma a uma imagem de autor (o autor intuído) até o autor propriamente construído a partir de textos que circulam sobre ele (o autor socializado).
A 30ª edição da Feira do Livro de Passo Fundo, que começa hoje no Bourbon Shopping, é uma excelente maternidade de leitores.
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