A catedral, no mundo das artes, é o símbolo do divino (Alphonsus de Guimaraens, o nosso simbolista maior, por exemplo, reforça isso ao se referir a Constança, a noiva morta em 1888, como A catedral ebúrnea do meu sonho...). E, enquanto uns colaboram na construção de templos, outros se resignam a admirar as catedrais alheiras. Todavia, há aqueles que fazem três coisas: colaboram na construção e admiram as obras de terceiros, mas também não abrem mão de erigir as suas próprias catedrais. Entre esses últimos, nos parece, vamos encontrar Mauro José Nodari, que desde 1955, quando chegou a Passo Fundo, tem trabalhado na indústria gráfica local, seja como gráfico de oficina ou, paralelamente, como montador de máquinas gráficas.
Indiscutivelmente, Mauro José Nodari, por intermédio da sua atividade profissional, ajudou/colaborou, indiretamente ou nem tanto, para trazer a lume uma boa parte dos livros que foram publicados pelas editoras/gráficas locais nos últimos 60 anos. E, a par de admirador e conhecedor da literatura local, com a exposição que ora está organizando, FIGURAS & PALAVRAS, de cujo catálogo das obras, no formato de um pequeno livro, tivemos a honra de escrever o prólogo, Mauro José Nodari, pelas esculturas/peças de arte que produziu e pelos textos descritivos que elaborou, também se mostrou exímio construtor de catedrais.
Mauro José Nodari, o gráfico por excelência, o engenheiro mecânico formado pela primeira turma da UPF, o marido da Adelina, o pai de seis filhos, o avô de oito netos e o bisavô de uma bisneta, é um homem que evidencia ter vivido intensamente os seus 76 anos de idade. Irradia felicidade e satisfação com a vida que teve e tem. E felicidade é algo que não se finge. Inventivo e incansável, Mauro José Nodari, com suas mãos talentosas, foi capaz de transformar em catedrais coisas que, para muitos de nós, não passariam de rejeitos ou lixo mesmo, transmitindo, por meio das obras que criou, mensagens subliminares ou, às vezes, claramente explicitadas, de conotação ecológica forte, que, temos a esperança, possam tocar a sensibilidade de quem tiver o privilégio de conhecê-las, quer seja expostas ou pelas fotografias do catálogo da exposição, que, com o apoio da Associação dos Livreiros de Passo Fundo e da Academia Passo-Fundense de Letras, deverá ser levada ao público por ocasião da 30ª Feira do Livro de Passo Fundo.
As obras produzidas por Mauro José Nodari são exemplos de que podemos ter outro olhar sobre a realidade que nos cerca. As peças metálicas, as sobras, os rejeitos de oficinas mecânicas, como num passe de mágica, deixaram de ser lixo/resto para se transformarem em brinquedos lúdicos, em painéis repletos de mensagens e esculturas de indiscutível valor estético e artístico. O incrível é que, observando as obras de Mauro José Nodari, não podemos deixar de refletir que os materiais usados por ele para levantar as suas catedrais estão por todos os lados no dia a dia de cada um de nós; apenas esperando que alguém lhes dê outro uso. E, nesse caso, quis o destino que esse alguém fosse Mauro José Nodari.
Entre tantas e tão sugestivas peças produzidas por Mauro José Nodari, o colunista escolheu “Adaptação” para descrever nesse espaço: “na forquilha de um troco seco, uma ave (modificada, feita de aço inox) construiu seu ninho, usando tacos e bodoques. Altura: 140 cm; circunferência: 46 cm. Materiais: tronco seco de lima-da-pérsia, aço inox, ovos de pedra, gravetos e fundas.”
Oxalá que cada um que conheça as obras de Mauro José Nodari sinta-se instigado a construir as suas próprias catedrais. Há mais beleza e significados ao nosso redor do que imaginamos. Quem sabe a transformação das coisas desse mundo, de lixo em arte ou de uma realidade marcada pela mesquinhez do individualismo em uma catedral divina da solidariedade, como fez Mauro José Nodari, não esteja apenas esperando uma simples atitude sua e minha, prezado leitor!
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