OPINIÃO

Subjetividade da criança no contexto escolar

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O filme Como Estrelas na Terra-toda criança é especial, traz a realidade da sociedade indiana considerada distante e diferente da cultura ocidental. Contudo, ao longo do filme percebem-se questões muito semelhantes com o nosso modo de vida. A família de Ishaan, menino de 8 anos que protagoniza o filme, é nuclear constituída por ele, o pai, a mãe e o irmão. O pai trabalha muito para oportunizar condições materiais e de consumo para a família, assumindo um papel quase exclusivo de provedor do lar; não se envolvendo nas questões domésticas e nos cuidados com os filhos. É um homem sério e frio no que se refere a afetividade. A esposa submissa tem a missão de administrar o lar e criar os filhos, não tendo voz ativa nas decisões maiores atinentes à família.
O filho mais velho da família corresponde às expectativas dos pais, sendo inteligente, estudioso, o melhor da classe. Fato que vem ao encontro de uma sociedade competitiva, materialista e consumista como se mostra a indiana, onde somente os melhores têm as melhores oportunidades. Situação bastante semelhante a cultura ocidental, onde as crianças são criadas para serem produtivas, trabalharem, ganharem dinheiro, adquirirem bens, onde os valores e características individuais são, muitas vezes, desprezadas e abafadas.
Finalmente, temos o caçula da família, o desatento e desastrado Ishaan. A trama do filme se desenvolve num aspecto muito humano em demonstrar as fragilidades e a ausência das habilidades escolares tão esperadas pela família do menino. Este mostra-se com pequenos déficits no desenvolvimento motor, linguístico e social desde pequeno. O menino tem sérias dificuldades em se alfabetizar, em entender o funcionamento do código escrito da sua cultura. E disso resulta, um péssimo rendimento escolar.
A escola indiana reproduz uma dificuldade presente nas nossas escolas brasileiras. Não há a valorização das características subjetivas de cada aluno. As turmas são grandes como as nossas e, fica evidente, a dificuldade do professor em lidar com aquele que não corresponde às expectativas de desempenho que o sistema impõe. Nota-se em Ishaan, a sensação de não pertencimento àquele lugar onde passaria grande parte de sua infância, onde deveria construir novos conhecimentos e se constituir como sujeito. Definitivamente, a escola contemporânea não sabe lidar com as diferenças e, talvez seja esta, uma das grandes reflexões que o filme proporciona.
Na reunião com os professores do menino, a solução sugerida pela escola é de que Ishaan passe a frequentar uma escola especial, reforçando a ideia acima de segregar quem é diferente. Os pais, principalmente a mãe, questionam sua competência enquanto pais na criação do menino e, decidem colocá-lo num colégio interno.
O colégio interno traz um modelo de ensino retrógrado onde a disciplina poda toda e qualquer liberdade de pensamento e expressão, produzindo verdadeiros robôs, incapazes de refletir individualmente as questões sociais, políticas e econômicas vigentes. O ambiente escolar retratado como um ambiente hostil, competitivo, disciplinador onde o aprendizado muitas vezes está atrelado a dor, com o uso da palmatória.

O menino Ishaan se vê separado da sua família, do afeto, apoio e amor que poderiam, naquele momento, acolher e compreender sua fragilidade. A tristeza, o desânimo, a apatia tomam conta do menino. Até mesmo suas expressões artísticas, onde estava seu grande potencial, desapareceram. Contudo, um novo professor chega à escola. E com ele, uma nova metodologia de ensino, um olhar humanizador, que preza por enxergar o aprendiz como um todo. É um profissional com olhar diferenciado, acostumado a trabalhar com as diferenças e a estimular as potencialidades individuais, independente destas virem ao encontro do que a sociedade espera.
O professor novo da disciplina de Artes se sente incomodado com a apatia e o desinteresse do menino Ishaan. Resolve conhecer seu núcleo familiar, sua história de vida e entender melhor suas fragilidades. Planta nos pais um olhar diferenciado para com as dificuldades escolares do filho.
Demonstra disposição para trabalhar separadamente com o menino, utilizando outros métodos que o auxiliem na aquisição da leitura e escrita. Um contraponto importante precisa ser comentado. O menino não foi tratado como uma “criança problema”. O professor valoriza as potencialidades do aluno em detrimento de um diagnóstico médico que o limita e fada ao insucesso escolar. Conduta muito forte entre os profissionais da saúde e também da educação, é a patologização daquele que não responde às expectativas do currículo escolar.
Com o trabalho diferenciado do professor, onde há atenção individualizada, compreensão e acolhimento das fragilidades do aprendiz, mas acima de tudo, um olhar integral para este sujeito dotado de dificuldades e potencialidades a serem descobertas e desenvolvidas; o menino Ishaan consegue adentrar no mundo das letras. Muito além do desempenho escolar, a autoestima de Ishaan, sua alegria de viver e seu potencial são resgatados, possibilitando-o uma caminhada escolar mais saudável, autônoma e de autorrealização.
A problemática do filme é tocante a todos os profissionais envolvidos no processo de escolarização da criança. Nos inspira um olhar abrangente, contextualizado e não discriminador, nos oferecendo a visão do processo sociocultural dos sujeitos, o convite de não julgar e concluir qualquer ser pela sua atual incapacidade/fragilidade.

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