Uma noite de princesa

Projeto Cinderela contempla seis adolescentes com câncer com uma festa de 15 anos

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Rua Quinze de Novembro, 424, 4º andar. Dos mais de 900 quilômetros percorridos, o prédio do Hospital São Vicente de Paulo (HSVP) é o destino de viagem que seis adolescentes com câncer fazem mensalmente, ou com uma frequência maior, de acordo com cada tratamento. A esquerda, após um longo corredor, está o Centro de Oncologia Infantojuvenil. Um local cheio de galáxias e desenhos, todo planejado para receber os pacientes e seus desejos de cura. É ali que Eduarda Carvalho, de 14 anos, moradora de Capão Bonito do Sul, provou, na tarde de terça-feira (18), o sapato cor nude de salto médio, ainda indecisa entre ele ou uma sapatilha. Diagnosticada com leucemia, esteve em tratamento desde o início de 2014. Há pouco já finalizado, ela está muito bem, de acordo com o médico oncologista pediátrico Pablo Santiago.

O calçado, motivo de indecisão da adolescente de cabelo vermelho e muito tímida, era o que seria usado na festa de debutantes beneficente que ela e outras cinco garotas receberam como a realização de um sonho. A idealização do projeto, que se transformou em um desejo mútuo das seis adolescentes, começou com o sonho particular de Geani Jacinto, agora com 15 anos, residente de Mato Castelhano. Ela sonhava com uma festa de debutante, em um vestido digno de princesa.

Quando, em uma aula, a professora Silvia Ricci se deparou com a resposta de Geani, que enfrenta com muita garra e um lindo sorriso no rosto, a luta contra um osteossarcoma – tumor ósseo – sobre seu maior desejo, a professora se sentiu comovida e quis ajudar na promoção da festa. Silvia conversou com a psicóloga Janaína Reolon Biasi, que orientou a realização de uma festa coletiva que pudesse contemplar as outras pacientes.

Deste modo, além de Geani, outras cinco meninas, entre 14 e 16 anos, foram contempladas com a festa que foi promovida pela equipe do projeto Desenhando Sorrisos, em parceria com os apoiadores. Indígena, a adolescente que não teria condições de ter uma festa de princesa, depois de saber da concretização do sonho passou a enfrentar as dificuldades do tratamento com mais entusiasmo.

O mesmo aconteceu com as outras meninas, conforme a psicóloga. “A gente notou uma diferença muito grande na questão do humor, na autoestima, na motivação de fazer o tratamento certo para estar bem para a festa. Elas receberam a festa como um presente. Era o sonho da maioria delas de fazer a festa. Com essa realização, a gente percebe que elas e os pais estão muito felizes”.

A motivação para continuar no tratamento se misturava com o nervosismo pré-festa em Keila de Almeida. Com 15 anos, mora em Frederico Westphalen e desde janeiro de 2015 vem regularmente ao HSVP para o tratamento de leucemia. Amante da literatura, ela escreve as próprias poesias. Filha de Antoninho e Neusa de Almeida, a adolescente descreve a festa como a concretização de um sonho. 

A pouco mais de 162 quilômetros da residência de Keila, mora Arieli Dornelles Oligario, de 16 anos, em Cruz Alta. Na luta contra um tumor cerebral desde abril de 2015, o oncologista explica que em virtude da doença, ela tem restrições para caminhar e parte da visão comprometida. A notícia da festa chegou para Ariele como uma incentivadora para continuar sua reabilitação. Na festa, contou com toda acessibilidade disponível para que nenhum momento fosse perdido.

Maiara Gavasso se trata contra um tumor ósseo desde o início deste ano. Ela, assim como Arieli, também teve algumas restrições. Amante do futebol, Maiara teve de deixar o passatempo de lado em função da doença. Aos 14 anos de idade, mora em Erechim. Por fim, a sexta adolescente debutante é Eduarda Rakowski, que há pouco terminou o tratamento contra linfoma, iniciado em novembro do ano passado. Mora em Catuípe.

As duas pacientes que terminaram os seus tratamentos costumam conviver com os demais pacientes para promover a esperança, de acordo com Santiago. “A gente costuma estimular os pacientes que finalizaram o tratamento para que convivam com os que ainda não terminaram para demonstrar que a doença tem cura e que as coisas podem melhorar”.

Projeto Cinderela

A festa das adolescentes, promovida na noite desta sexta-feira (21), na Casa 285, foi a primeira edição do projeto Cinderela, uma iniciativa que compõe o Desenhando Sorrisos. Em atuação desde agosto de 2014, sob a idealização da farmacêutica bioquímica Melina Rodrigues, o Desenhando Sorrisos surgiu do desejo de tratar o emocional dos pacientes da ala da oncologia pediátrica.  “Desde que tive contato com esses pacientes sempre quis trabalhar algo que fosse além da parte técnica, algo mais emocional mesmo. Levou alguns anos para amadurecer a ideia até que conversei com o oncologista Marcelo Cunha, que de pronto abraçou a ideia e iniciamos o trabalho”. O projeto realiza ações pontuais em hospitais e instituições da cidade atendendo pacientes da oncologia.

Junto à festa, o projeto proporcionou um ensaio fotográfico à cada uma das meninas graças ao trabalho voluntário dos fotógrafos Guilherme Benck e Josiel Reginatto dos Santos. Gui Benck, seu nome artístico na fotografia, participa há dois anos do projeto. “Durante esse tempo, pude aprender um pouco mais sobre a realidade de quem enfrenta algum tipo de câncer, desde crianças a adultos com idade mais avançada. Penso que cada um de nós pode ajudar um projeto como esse, de alguma forma, não somente com ajuda financeira. Eu aprendi a fotografar e acho que posso contribuir dessa forma, registrando os momentos felizes que o projeto proporciona aos pacientes e ao mesmo tempo criando registros únicos para as famílias envolvidas”.

Já para Josiel DS, que está acostumado a fotografar casamentos e outros eventos, eternizar os sorrisos de uma adolescente com câncer significou mostrar um lado da fotografia que as pessoas geralmente não percebem. “Essas meninas e mulheres, homens, enfim, pessoas que passam por momento grave de saúde são exemplos de superação, de vida. A Ariele, que deu repercussão em rede social, é uma menina incrível, que passa muita alegria. Eu quis mostrar isso na fotografia. Mesmo passando por um momento difícil, elas transmitem felicidade para as pessoas. Apesar do problema sério de saúde que elas enfrentam, elas têm um sorriso largo no rosto, então esse é o legado para ver a vida de outra perspectiva”.

O trabalho, que proporciona uma realização pessoal nos voluntários, é importantíssimo para os pacientes, de acordo com Melina. “O projeto é o diferencial do atendimento no sentido em que as crianças estavam acostumadas a ir para brincar. Iam esperando as brincadeiras, e a quimioterapia e a consulta acabavam sendo uma parte da tarde, então isso conseguiu atingir o objetivo que era afastar as crianças do cenário do hospital. De vincular a imagem do hospital a algo ruim. Até mesmo as mães de crianças relataram que ficou muito mais fácil levar os pequenos ao hospital”.

Motivos para continuar

Do diagnóstico ao fim do tratamento, Pablo Santiago explica que as crianças e adolescentes têm uma tendência de perder parte da vida e que, depois de curados, eles ficam com uma sensação de que existe uma lacuna de vida no passado. “Estamos fazendo essa e outras iniciativas para que elas não deixem de lado sua infância e adolescência. A gente procura fazer o tratamento para deixá-las curadas, mas, na medida do possível, permitindo que possam viver”.

O projeto Cinderela, conforme o especialista, melhorou a autoestima, à medida que a festa traz a ideia de que a vida delas está continuando. Assim, o quarto andar do prédio do HSVP, se torna mais um local, entre os tantos visitados na vida.

 

 

 

 

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