“Uma criança muito feia ou defeituosa deixada por fadas no lugar de outra muito bonita.” Essa é a definição de um “changeling”, ou criança trocada, presente nas histórias populares e no folclore de vários povos.
Em Os Gnomos, dos Irmãos Grimm, uma criança é roubada da mãe e colocam em seu lugar, no berço, outra criança monstruosa que nnão para de comer e gritar. A mãe, desesperada, pede auxílio à vizinha, que a aconselha a ferver água em cascas de ovos e esperar a reação. A mulher assim o faz. Diante de tal absurdo, a criança trocada (na verdade um gnomo ancião) desata a rir e se denuncia: bem velho sou, como o mundo, meu povo, mas nunca vi cozinhar em casca de ovo! Assim que diz isso, os gnomos entram na casa trazendo a criança legítima e levando de volta o “changeling”.
Apesar de ser uma história do folclore, Os Gnomos e muitas outras histórias como essa são baseadas na realidade da sociedade camponesa da Idade Média. Há relatos históricos de crianças com deformidades ou retardos ou apenas exibindo sintomas de algum transtorno sendo atiradas no fogo, em lagos gelados, ou deixadas para morrer na nevasca, sob o pretexto de terem sido deixadas pelas fadas no lugar de crianças que nasceram perfeitas e saudáveis.
Era muito dolorido para nossos antepassados, assim como o é para nós hoje em dia, que o filho ideal não fosse aquele que se encontrava no berço. Para eles, uma criança que não pudesse vir a desenvolver uma função de trabalho era um problema, um peso que a família, muitas vezes com recursos insuficientes, não estava preparada para carregar.
Nos tempos de hoje é impensável tratar uma criança com necessidades especiais dessa forma. Os casos de maus tratos são casos de polícia e a sociedade – em comparação com sociedades do passado - trabalha, cada vez mais, para a inclusão e o bem-estar de quem precisa. Mas será que a fantasia da criança trocada e a do filho ideal estão também ultrapassadas? Será que todas as mães morrem de amor instantaneamente por aquele bebê que chora incessantemente nas madrugadas em vez de dormir tranqüilo em seu berço, como os bebês dos comerciais de fraldas descartáveis? Não. A acolhida de um filho, biológico ou não, é um processo. E o que ninguém fala é que, muitas vezes, esse processo não ocorre. Alguns pais não acolhem a criança de verdade, com suas inconveniências, suas emoções, suas demandas e sua recusa em ser a criança da propaganda, e assim um grande desconforto e uma grande distância se criam entre a imagem do filho e da família ideal projetadas no mundo externo e o relacionamento real que ocorre no lar.
Muitos antigos formavam famílias para força de trabalho, muitos contemporâneos, o fazem para força da imagem. Quando as coisas não saem conforme os planos, a culpa é das “fadas”, que trocaram a criança. Ou da própria criança, que é “problemática”. Para muitos pais, não ter produzido um filho perfeito, que faz tudo o que lhe é mandado (ou seja, inexistente) é um grande problema: mancha sua reputação de gente bem-sucedida. É um embaraço.
Há pessoas que passam suas vidas inteiras com um sentimento de não ser adequado, de não ser desejado ou querido, de só trazer problemas para os que ama. São “changelings”, que nunca foram realmente apreciados e que a todo momento temem ser desmascarados, mesmo sendo a peça genuína. E o grande problema é que não há outra criança para ser retornada e não há, tampouco, Reino das Fadas para onde voltar.